Um vídeo compartilhado nas redes sociais desde sexta-feira (9) mostra um jovem, acusado pelos autores da gravação de roubo, sendo tatuado na testa com a frase “eu sou ladrão e vacilão”. Desaparecido desde 31 de maio, R.R. da Silva, de 17 anos, é a vítima de agressão.
O tatuador Maicon Carvalho dos Reis, e seu vizinho, Ronildo Moreira de Araújo, foram presos em flagrante pela polícia civil no estúdio de tatuagem no centro de São Bernardo do Campo (na Grande São Paulo), indiciados pelo crime de tortura, que pode levar a pena de 2 a 8 anos de prisão, podendo aumentar a 10 anos se for caracterizada lesão corporal grave.
O vídeo (assista abaixo) mostra R.R. sendo obrigado a responder que quer a frase tatuagem na testa, enquanto o autor do vídeo comenta, rindo: “vai doer”.
Em um segundo registro, a dupla faz o menino contar que tentou roubar a bicicleta de um ‘homem que trabalha no farol’ e que não tem uma perna. Aos risos, os homens fazem o jovem mostrar sua tatuagem e perguntam se ele gostou.
Segundo informações do boletim de ocorrência, R.R. tentava furtar uma bicicleta quando foi abordado por Maicon e o vizinho, que, revoltados, resolveram tatuar o jovem como forma de punição. A advogada criminalista Giovanna Semeraro critica este tipo de ação.
— Tatuar é uma agressão muito simbólica, porque para sempre você deixa a pessoa com a marca de ladrão. A prisão, por pior que seja nosso sistema, oferece uma segunda chance, a tatuagem não. Reflete uma visão muito odiosa de mundo.
Vando Rocha, de 33 anos, tio do garoto, conta que a família somente soube do ocorrido através das redes digitais. “Meu filho, primo do R.R. que me procurou e mostrou o vídeo da agressão. Assim que vi comecei a chorar, meu coração não aguentou”, conta ele.
O jovem, que é usuário de drogas e já foi internado três vezes pela família em clínicas de reabilitação, mas acabou fugindo, voltou para a casa onde mora com o tio e a avó neste sábado. Ele estava desaparecido desde a última quarta-feira. “Nós não tínhamos procurado a polícia antes porque não era raro ele sair, ficar dois, três dias fora de casa. Mas sempre voltava… até esta vez”, conta o tio, que se diz muito preocupado com a situação do sobrinho.
— De repente ele está escondido por aí, deprimido, com vergonha ou medo de voltar para casa por causa dessa tatuagem.
O tio conta que além da tatuagem, o jovem teve o cabelo cortado curto.
Falsa impunidade
Giovanna Semeraro comenta que agressões como essa, ou linchamentos ocorridos em todo o Brasil, refletem uma falta de confiança nas instituições e uma sensação de impunidade que não é real. “Esta sensação geral de impunidade não se aplica à população pobre, que comete crimes como roubo ou tráfico de drogas. Muitos destes são levados em prisão provisória e ficam assim antes mesmo de serem julgados”, afirma.
A advogada defende que o procedimento [a prisão provisória], que deveria ser uma exceção e aplicada no caso de criminosos que oferecem perigo à sociedade caso esperem o julgamento em liberdade, vem se tornando a regra no sistema jurídico e penal brasileiro atualmente.
Levantamento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) divulgado em fevereiro deste ano revela que mais de um terço dos presos no Brasil hoje não foram julgados e aguardam detrás das grades a decisão judicial.
Mais da metade dos presos provisórios são acusados de roubo ou tráfico de drogas e podem passar 974 dias em uma penitenciária aguardando julgamento, como é a média em Pernambuco. Em São Paulo, metade dos presos provisórios aguarda mais de 180 dias julgamento, que é realizado, em média, 235 dias após a detenção.
Procurado pela reportagem do R7, o 3º DP de São Bernardo do Campo, onde o tatuador e seu vizinho estão detidos desde a última sexta-feira (9), afirma que só dará mais informações sobre o caso na próxima segunda-feira.
Fonte:R7