Na manhã do dia 11 de setembro de 2001, quatro aviões da Boeing (dois 757 e dois 767, dois da American Airlines e dois da United Airlines) decolaram dos aeroportos de Boston, Newark e Washington. Todos iam para a Califórnia, mas jamais chegaram ao destino. Ao invés disso, o que aconteceu com eles mudou para sempre a história do século 21.
O voo 11 da American Airlines, com 11 tripulantes e 76 passageiros, foi dominado por 5 sequestradores e colidiu com a Torre Norte do World Trade Center, em Nova York, às 8h46. Apenas 17 minutos depois, o avião que fazia o voo 175 da United, com 9 tripulantes, 51 passageiros e 5 terroristas, colidiu com a Torre Sul.
O mundo ainda tentava entender o que estava acontecendo quando a aeronave que fazia o voo 77 da American Airlines colidiu contra o Pentágono, prédio do Departamento de Defesa dos EUA, em Washington, com 6 tripulantes, 53 passageiros e 5 sequestradores, às 9h37. O último avião, do voo 93 da United Airlines, tinha como alvo o Congresso norte-americano, mas caiu perto de Shanksville, na Pensilvânia, às 10h03, após alguns dos 7 tripulantes e 33 passageiros tentarem retomar o controle das mãos de 4 terroristas.
Em um intervalo de 77 minutos, 19 terroristas da Al-Qaeda conseguiram cumprir o maior e mais ousado atentado terrorista em solo norte-americano da história. No total, 2.996 pessoas morreram em decorrência direta das ações terroristas. As consequências desse dia, no entanto, perduram por duas décadas.
“É o momento em que a grande potência internacional, que saiu vitoriosa no pós-Guerra Fria se mostra vulnerável. A primeira coisa fundamental é a demonstração da vulnerabilidade da grande potência global a ataques terroristas. E isso vai desencadear uma série de reações por parte dos EUA que tornam o 11 de setembro um grande divisor de águas”, analisa Felipe Loureiro, coordenador do curso de Relações Internacionais da USP.
O evento mudou fundamentalmente o posicionamento dos EUA, que passaram uma década como principal potência hegemônica mundial após o colapso da União Soviética. De uma política externa mais calcada em uma expansão econômica, o país passou a investir pesado em intervenções em outros locais. O resultado foram duas das mais longas guerras da história norte-americana, outros milhares de mortes e trilhões de dólares em despesas militares.
“No 11 de setembro, tudo mudou. Os EUA passam a intervir muito mais diretamente em determinadas regiões que eram geopolitcamente sensíveis. Teve a invasão do Afeganistão três meses depois do ataque e a invasão do Iraque em 2003. Há uma mudança na forma como os EUA lidam com o mundo, uma política intervencionista, mas ela tem um custo muito grande”, afirma o cientista político Guilherme Casarões, professor da FGV-SP.
As invasões
Menos de um mês após os atentados, em 7 de outubro, forças norte-americanas e britânicas atacaram posições do Talibã no Afeganistão. O grupo extremista que governava o país dava abrigo e recursos para a Al Qaeda de Osama Bin-Laden, que mais tarde assumiu o planejamento dos ataques, e se recusava a entregá-los.
Tinha início então a invasão ao território afegão, que rapidamente derrotou os talibãs e desembocou em uma intervenção de longo prazo, encerrada apenas no dia 31 de agosto deste ano, com a retirada das tropas e funcionários dos EUA e países aliados por meio do aeroporto de Cabul, e a retomada do país pelo grupo extremista.
Em 2003, por insistência do então presidente dos EUA, George W. Bush, que alegava um envolvimento do regime de Saddam Hussein, no Iraque, com a Al-Qaeda, além de supostas armas de destruição em massa, tropas norte-americanas e aliadas invadiram o país.
Para os especialistas, essa operação tirou o foco do Afeganistão, onde havia um contingente menor em um momento em que seria possível derrotar de vez o Talibã e a Al-Qaeda, minou a credibilidade dos EUA no cenário internacional e ajudou a radicalizar ainda mais a região.
“A invasão do Iraque foi muito contestada por aliados históricos, como a Alemanha, a França e o Brasil, já no início do governo Lula. Alguns aliados ajudaram, mas a maior parte adotou uma postura de reticência. A Rússia e a China também fizeram críticas pesadas sobre a legitimidade da ação no Iraque, que gerou uma série de problemas no país”, recorda Casarões.
“Isso acabou fomentando mais instabilidade nesses territórios e consequentemente deu base para novas organizações terroristas surgirem. Algumas foram até mais mortíferas e mais desestabilizadoras para a ordem local e internacional do que as anteriores, como foi o caso do Estado Islâmico, que é uma consequência direta da intervenção norte-americana no Oriente Médio”, complementa Loureiro.
Ataques e desestabilização
Provas dessa desestabilização logo puderam ser sentidas em duas grandes cidades europeias. Em 11 de março de 2004, explosões em trens e estações de Madri mataram 193 pessoas e feriram mais de 2 mil. Em 7 de julho de 2005, atentados no metrô e um ônibus de Londres fizeram mais 56 vítimas fatais e 700 feridos. As ações foram atribuídas a células da Al-Qaeda, como uma resposta à participação da Espanha e do Reino Unido na invasão ao Iraque.
“Acho que não haveria razão para esses atentados sem o 11 de Setembro. Tanto os atentados de Londres como de Madri vêm como consequência da ocupação do Iraque, Reino Unido e Espanha estavam na coalizão. Esse é o ponto fundamental. Os atentados do Estado Islâmico contra França e Bélgica aconteceram por causa de bombardeios na Síria. Todos os ataques partiram dessa noção de que havia uma presença estrangeira”, argumenta Casarões.
Um exemplo disso, segundo o professor da FGV, está no fato de que Bin Laden já tinha ordenado pelo menos três ataques anteriores contra os EUA: os atentados suicidas simultâneos contra as embaixadas norte-americanas no Quênia e na Tanzânia, em 7 de agosto de 1998, e contra o destróier USS Cole, uma embarcação militar de grande porte, no Iêmen, em 2000. A intenção dele era encerrar a presença ocidental no Oriente Médio, especialmente na Arábia Saudita, berço da religião islâmica.
Nos EUA, as ações militares que deram sustentação interna a Bush nos primeiros anos de seu mandato começaram a se tornar um peso para o país. Em 2008, Barack Obama foi eleito prometendo em sua campanha que iria encerrar as ocupações no Iraque e no Afeganistão. Pelo menos na primeira, conseguiu o objetivo em 2011, mas o país voltaria a ter presença de tropas mais tarde, por conta do combate ao Estado Islâmico.
“Obama deixou muito claro que queria focar a política externa na Ásia, mirando mais em questões comerciais, mas ficou preso às diversas crises que surgiram na região, como o crescimento do Estado Islâmico, a Primavera Árabe e a guerra na Síria”, argumenta Casarões.
Além de impelir os EUA a responder com ações militares no cenário internacional, o 11 de Setembro também causou uma corrida em busca de uma ampliação na segurança interna. Houve um rearranjo das agências de inteligência do país, com a criação do Departamento de Segurança, mas também causou inúmeros problemas de violações dos direitos civis, desde vigilância ilegal até prisões arbitrárias.
“O mundo percebeu quanto os países mais ricos estavam vulneráveis a ataques e isso levou a um aumento dos aparelhos de segurança, uma reestruturação muito ampla do setor, especialmente na aviação civil e na inteligência. Isso acabou se traduzindo em determinadas violações de direitos, monitoramento dos dados, das pessoas, muitas vezes sem base ou autorização”, ressalta Loureiro.
Os esquecidos de Guantanamo
Um dos maiores símbolos da face mais obscura da chamada “guerra ao terror” permanece em operação até hoje: a prisão de Guantanamo, em Cuba, aberta no início de 2002 para abrigar acusados de participação no ataque ao WTC. No total, 780 pessoas foram detidas no local, a maioria sem julgamento e muitas sem sequer conhecer as acusações, sofrendo torturas e outras violações das convenções internacionais.
“Outra promessa de campanha do Obama era fechar Guantanamo, prisão que tem uma série de problemas com respeito aos direitos humanos, mas ele não conseguiu por causa do Congresso”, pondera Casarões. Parlamentares democratas e republicanos foram contra a ideia e aprovaram projetos que impediam que prisioneiros detidos no presídio cubano fossem trazidos a solo norte-americano.
No momento, 39 homens permanecem detidos em Guantanamo, todos capturados entre 2002 e 2008, segundo um levantamento do New York Times. Destes, 14 são do Iêmen, 6 do Paquistão, 4 da Arábia Saudita, 2 do Afeganistão, 2 da Argélia, 2 da Líbia, 2 da Malásia. Indonésia, Iraque, Palestina, Quênia, Somália, Tunísia têm um cidadão cada, além de um considerado apátrida.
Fonte:R7