A revista Problemas Brasileiros, da Fecomercio, publicou uma reportagem há algumas semanas sobre um debate que permanece ativo entre os economistas: se as taxas de endividamento do país, que estão batendo recordes sucessivos a cada mês, são sinais de deterioração econômica ou, ao contrário, de retomada da economia após a pandemia.
É importante situar que endividamento se refere ao fenômeno em que pessoas ou famílias têm alguma dívida em andamento, mas sem atrasos, como a fatura do cartão de crédito do mês ou o financiamento de um automóvel, por exemplo. É diferente de inadimplência, quando há alguma conta já vencida, mas ainda não paga, como uma cobrança de luz, por exemplo. Essa diferença no Brasil hoje é de 79% e de 30%, segundo dados do CNC.
Em São Paulo, a cada quatro famílias, uma está inadimplente, segundo pesquisa da Fecomercio. São 24% das famílias nessa situação, maior taxa desde 2010.
Os inadimplentes são objetivos de estratégias mais ativas das instituições de crédito, bancos e mesmo redes de lojas neste período do ano, quando elas organizam mutirões de renegociações de débitos. É uma prática comum entre os grandes varejistas, como Casas Bahia e Magalu, mas também em setores como o de vestuário, de eletrodomésticos e de telefonia — na Claro negociar dívidas ocupa um papel importante neste momento, por exemplo.
De um lado, alguns economistas defendem que mais gente assumindo dívidas expressa um contexto econômico aquecido, em que as pessoas estão recorrendo ao crédito ou ao sistema financeiro para o consumo. Dessa forma, a inflação também se explica pela alta na demanda. De outro, especialistas reagem dizendo que o aumento de endividados representa uma economia deteriorada, em que as famílias não conseguem chegar ao fim do mês com fôlego no orçamento.
“Na pandemia, muita gente usou o cartão para fazer compras online. Mas agora parece que ele tem sido usado para substituir pagamentos tradicionais. Funciona como uma alternativa para quem não tem outra opção e, assim, esse crédito acaba comprimindo uma renda que poderia estar sendo utilizada para outras despesas mais importantes”, analisou a professora Júlia Braga, da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), à revista. Ela é daqueles que apontam para um contexto de deterioração, por exemplo.
Já o assessor econômico da FecomercioSP, Guilherme Dietze, afirmou que o nível de endividamento não é tão pernicioso, embora a forma como as pessoas estão contraindo crédito sim. Na perspectiva dele, o sistema financeiro está irrigando o orçamento de famílias para que elas paguem apenas contas básicas, como a compra do mês no supermercado ou um boleto de serviço doméstico. “O consumo não está fazendo a economia crescer porque está reduzido ao essencial”, explicou. “Em um contexto de melhora, muitas famílias vão demorar para voltar a consumir porque estarão pagando as dívidas e os juros contraídos agora”.
O debate, porém, foi fechado de certa forma pelo economista-chefe da gestora de fundos Infinity Asset, Jason Vieira, que defendeu que o endividamento permite leituras diferentes. “É possível olhar pela ótica do consumo, e considerar o patamar atual positivo, mas também observar como as famílias estão se endividando porque têm menos renda e, então, entender que é um contexto ruim. São dois argumentos válidos”, finalizou.