A posse da chamada bancada do cocar, formada por representantes de povos indígenas, foi de festa na Esplanada. Mas a promessa do lado de dentro do Congresso é de muita luta. No momento em que o país assiste à tragédia humanitária do povo Yanomami, os indígenas elegeram a maior bancada para uma mesma legislatura da Câmara na história – ao todo, são quatro representantes que se declaram de alguma etnia.
Na celebração ocorrida na Esplanada estavam presentes Sônia Guajajara (SP) e Célia Xakriabá (MG), ambas do Psol. Além delas, foram eleitos também Silvia Waiãpi (PL-AP) e Paulo Guedes (PT-MG).
Depois da posse, Sônia Guajajara se licencia do mandato para assumir o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas. Célia Xakriabá seguirá na Câmara e já conta com uma agenda de luta.
Como primeiras ações do mandato, ela adianta que pretende recriar a Frente Parlamentar dos Povos Indígenas, que na legislatura anterior foi comandada pela ex-deputada Joênia Wapichana (RR). Célia Xakriabá diz ainda que irá articular a apresentação de uma Medida Provisória para que o Ministério da Educação garanta educação escolar indígena e quilombola, além de criar uma secretaria dos povos indígenas no MEC.
Outro projeto da deputada é transformar em lei um decreto da ex-presidente Dilma Rousseff que institui a Política de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).
CPI
A parlamentar mineira também afirma que ainda hoje irá iniciar o processo de instauração de uma CPI para investigar a situação do povo Yanomami.
“Nesse momento, as pessoas que não conseguem se sensibilizar com esse crime humanitário em relação ao povo Yanomami já perderam o princípio de humanidade”, disse. Segundo ela, é preciso ter responsabilidade dentro da Câmara e pensar uma política “que não mate, independente de partido”. “Nós precisamos tornar a política mais humanitária, e é muito contraditório que o povo que mais defende a floresta não tenha água limpa para beber. Você sabe o que é ver mães Yanomami dizendo que 70% das crianças estão contaminadas por mercúrio, e você sabe o que é sentir a dor da fome?”
Logo depois da posse, Célia Xakriabá e Sônia Guajajara participaram de outro ato junto à comunidade indígena, com a presença da primeira-dama, Janja da Silva. Na confraternização, a ministra Sônia Guajajara ressaltou que “2023 marca um novo começo na história do Brasil”, em que os povos tradicionais começam a ocupar efetivamente espaços de poder e decisão. Ela destacou que uma indígena vai comandar a Funai, a ex-deputada Joênia Wapichana.
Luta coletiva
A ministra sustentou ainda que vai lutar pela retirada de todas as medidas em tramitação no Congresso Nacional que reduzem direitos da população indígena. Ela também fez questão de ressaltar que a luta indígena, além de muito antiga, é coletiva.
“Nenhuma de nós chegou aqui sozinha, nenhuma de nós chegaria, se não fosse pela nossa unidade na luta, se não fosse pela unidade no nosso movimento. E aqui estamos nós hoje como resultado desses cinco séculos de luta de nossas mulheres”, afirmou. “Muitas ficaram pelo meio do caminho, mas nós estamos aqui para não permitir que nenhuma mulher mais seja violentada, que nenhuma mulher mais seja tombada por lutar pela terra”.
Célia Xakriabá lembra que a bancada do cocar tomou posse, mas o mesmo ocorreu com a bancada ruralista, majoritária na Casa. Ela garante, no entanto, que haverá resistência.
“Não vai haver legitimação sem a nossa presença. Quando as pessoas falam ‘mas vocês são minoria’ – nós povos indígenas não somos nem um por cento da população brasileira e protegemos mais de 80% da biodiversidade -, significa que nem sempre quem é maioria está fazendo melhoria. Se a nossa voz não for suficiente do lado de dentro, iremos continuar convocando o povo e a luta do lado de fora”.
Desenvolvimento
Já a deputada Silvia Waiãpi diz que vai trabalhar pelo desenvolvimento econômico sustentável para povos indígenas. A representante do PL defende que os povos tradicionais não “devem viver em 1500 se o mundo está no século XXI”.