O biogás e o biometano terão destaque no atual processo de descarbonização de setores poluentes da economia brasileira, segundo especialistas ouvidos nesta terça-feira (6) em audiência da comissão especial da Câmara dos Deputados sobre transição energética. Ao mesmo tempo, produtores, reguladores e usuários recomendaram ajustes legislativos para a transformação de passivos ambientais e ativos energéticos.
A Associação Brasileira do Biogás (Abiogas), que já conta com cerca de 150 empresas, avalia que as 885 plantas de produção de biogás existentes hoje correspondem a apenas 4% do potencial brasileiro. O biometano tem 20 plantas de produção e ainda pode aproveitar a estrutura instalada de biogás, o que amplia as perspectivas do setor, como afirmou o presidente do conselho de administração da Abiogas, Alessandro Gardemann.
“A visão da Abiogas é que a gente chegue a 2029 com 70 plantas em operação de biometano. O potencial brasileiro é gigantesco: são quase 100 milhões de metros cúbicos por dia de biometano, dos quais em torno de 50% (57,6 milhões m³/dia) estão na cadeia de sucroenergético; 38 milhões m³/dia na cadeia de proteína animal; 18 milhões m³/dia com resíduos agrícolas de soja, milho e amendoim; e 6 milhões m³/dia em saneamento”, explicou.
Responsável pela regulação do setor, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) reconhece que o biometano é a fonte de bioenergia que mais cresce no mundo, impulsionada pela necessária resposta às mudanças climáticas. Essa geração energética reduz as emissões de metano, que é 28 vezes mais potente do que o CO2 na geração dos gases do aquecimento global.
O diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, elogia o fato de o Brasil também ser destaque mundial na perspectiva de produção de biometano, fundamental para a descarbonização do setor agropecuário.
“Não há uma bala de prata como solução para a transição energética. Toda solução é bem-vinda justamente porque não há solução única que atenda a todos. Cada país vai explorar suas vocações naturais e as vantagens comparativas de que dispõe”, afirmou.
A ANP já revisa as resoluções internas para fomentar a produção de biogás e biometano.
Casos bem-sucedidos
A audiência na Câmara também serviu para a apresentação de casos bem-sucedidos no setor empresarial. Usuária, a montadora de ônibus e caminhões Scania prevê um “futuro eclético” com a coexistência de veículos pesados com diferentes tecnologias de combustíveis.
Já a empresa Cocal, uma das líderes do setor sucroenergético, mostrou como produz biogás a partir de palha, vinhaça e torta de filtro da cana-de-açúcar; biometano, a partir da purificação do biogás; além de açúcar, etanol e biofertilizantes.
Segundo o diretor da Cocal, Luiz Gustavo Scartezini, essa produção é reaplicável em todo o País. Considerando a safra de 610 milhões de toneladas de cana que o Brasil registrou entre 2022 e 2023, Scartezini projetou a geração de 20 GW de eletricidade e 20 bilhões de metros cúbicos de biometano. “A gente está falando de poder gerar energia elétrica 1,5 vezes superior à geração [da hidrelétrica] de Itaipu ou ainda produzir biometano para substituir o diesel no estado de São Paulo”, explicou.
Aterros sanitários
Outra fonte de biogás e biometano vem de aterros sanitários e centros de reaproveitamentos de resíduos. Por isso, o presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), Pedro Maranhão, também aposta em transformação de passivo ambiental em ativo energético, válida, por exemplo, para acabar com os lixões que ainda ocupam várias cidades do País.
“O lixão é realmente uma praga. O estado do Pará inteiro tem um aterro que já está vencido. Vai ficar sem nenhum e nós vamos sediar a COP-30 lá. O Maranhão tem um aterro, Amazonas tem um aterro e por aí vai. No resto [das áreas desses estados], são lixões”, disse.
O presidente da comissão externa de transição energética, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), também é o relator do projeto de lei (PL 4516/23) que trata dos chamados “combustíveis do futuro”. Jardim lembra que a proposta é analisada em regime de urgência e vai contemplar as reivindicações de produtores e usuários de biogás e biometano.
“Sobre essa questão de regulação, o acesso à infraestrutura e caracterização do atributo ambiental é exatamente o desafio que teremos no projeto. Nós estamos em fase final do relatório. É uma conversa que eu terei com o presidente Lira que vai definir exatamente o momento de ir a Plenário”, afirmou.
Relatora da proposta (PL 5174/23) de Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), a deputada Marussa Boldrin (MDB-GO) destacou que “o x de tudo é colocar o País em posição de competitividade, com aportes financeiros e incentivos a bons projetos”.
Segundo a ANP, 117 milhões de toneladas de CO2 equivalente foram evitadas até janeiro de 2024 no Brasil por meio do Programa RenovaBio, criado por lei (Lei 13.576/17) em 2017 para ampliar a participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira.