Juristas de várias tendências apontaram erros e acertos da Operação Lava Jato, durante debate na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (21). Para alguns, a investigação foi o “marco do combate à corrupção no Brasil”, enquanto outros a apontam como “maior escândalo judicial do País”. A Lava Jato começou há pouco mais de 10 anos, em março de 2014, envolvendo principalmente o Ministério Público e a Polícia Federal na apuração de denúncias de desvio bilionário de recursos na Petrobras. Professora da Fundação Getúlio Vargas e autora do livro “Lava Jato: histórias dos bastidores da maior investigação anticorrupção no Brasil”, a advogada Ligia Maura Costa apresentou o resumo da operação.
“Essa operação foi a maior porque teve 79 fases, 1.450 mandados de busca e apreensão, 295 mandados de prisão, mais de 120 acordos de colaboração premiada e 150 denúncias contra mais de 500 investigados, revelando envolvimento de altos funcionários de governos, líderes empresariais e políticos influentes”.
A operação conviveu com críticas de ilegalidades processuais nas conduções coercitivas e nas colaborações premiadas. Em 2019, o jornal digital Intercept divulgou uma série de conversas via Telegram entre o chefe da força tarefa do Ministério Público responsável pelas investigações, Deltan Dallagnol, e o juiz Sérgio Moro, que julgava o caso. Advogado que atuou na defesa de vários acusados, Antônio Carlos de Almeida Castro lembrou desse episódio, conhecido como “vaza jato”, para acusar a Operação Lava Jato de instrumentalizar o Judiciário e manter pessoas presas para forçar delação. Kakay, como o advogado é mais conhecido, também denunciou influência direta da Lava Jato na eleição presidencial de 2018, ao manter Luiz Inácio Lula da Silva preso durante 580 dias e, depois, com Sérgio Moro assumindo o Ministério da Justiça do governo Jair Bolsonaro.
“Essa Operação Lava Jato, na verdade, foi um projeto de poder. Nada mais do que isso”, afirmou. “Claro que houve corrupção e é importante fazer o enfrentamento, mas ninguém pode enfrentar a corrupção fazendo corrupção e rasgando a Constituição. É o maior escândalo judicial da nossa história. O ministro (do STF) Gilmar Mendes diz que, infelizmente, a Operação Lava Jato, coordenada por um juiz que tinha os seus procuradores adestrados, terminou como uma organização criminosa”, disse Kakay.
Defesa
O ex-procurador Deltan Dallagnol, que teve o mandato de deputado federal cassado pela Justiça Eleitoral no ano passado, fez defesa enfática da Operação Lava Jato. Segundo ele, foram usadas “estratégias inovadoras” e legais, baseadas em acordos de colaboração premiada, acordos de leniência, cooperação internacional e transparência na comunicação. A força tarefa que ele comandava foi desfeita em 2019. Dallagnol denunciou posterior perseguição política e judicial aos investigadores e concentrou as críticas no ministro do STF Alexandre de Moraes, que comanda os inquéritos sobre fake news, milícias digitais e atos antidemocráticos de 8 janeiro.
“Todos os processos eram recheados de provas, bilhões e bilhões [de reais] foram devolvidos e as condenações eram mantidas em sucessivos recursos em várias instâncias”, defendeu Dallagnol. “Enquanto que, no Supremo, a gente tem acusações do 8 de janeiro sem individualização de condutas e sem individualização de provas. O mesmo arbítrio judicial empregado para garantir a impunidade daqueles que praticam a corrupção se virou agora especialmente contra parlamentares e políticos da direita, a partir do Supremo Tribunal Federal”, disse o ex-procurador.
Professor de Estudos Brasileiros da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, Fábio de Sá e Silva apresentou o estudo “Lava Jato: Direito e Democracia”, no qual avaliou as postagens de líderes da operação nas redes sociais entre 2017 e 2019. Fábio reforçou as críticas a Dallagnol e à Lava Jato.
“Quem liderava o engajamento na internet era justamente o ex-chefe da força tarefa. E aí eu achei duas coisas: primeiro, um processo de glorificação e autoglorificação; e o segundo, um chamado à sociedade para participar da luta contra a corrupção, mas que, com o passar do tempo, se converte em uma plataforma para ataque às próprias instituições e que culmina nos ataques de 8 de janeiro”, concluiu o professor.
A ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon, por sua vez, criticou o que, segundo ela, são narrativas que distorcem o trabalho da Lava Jato e denunciou “advogados penais que enriqueceram para sufocar a operação”.
Combate à corrupção
Organizadora do debate, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) disse ter entrado na política incentivada pelas investigações da Lava Jato. Atualmente, ela reclama do desmantelamento da operação.
“Hoje eu vejo provas sendo anuladas e procuradores e juízes que combateram a corrução sendo perseguidos. O que me assusta é que a gente continua com a impunidade: ninguém aqui é condenado por corrupção”, disse.
Os juristas divergiram sobre o legado da Lava Jato para o combate à corrupção no Brasil. Procurador de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu defendeu a aprovação, no Congresso Nacional, das propostas que tratam de: prisão após condenação em segunda instância, fim do foro privilegiado, reforma político-partidária, proteção ao denunciante de corrupção e criação de política pública anticorrupção. Já a professora Lígia Maura Costa, da FGV, acredita que é possível retomar as investigações e as ações anticorrupção por meio do fortalecimento das instituições democráticas e da independência do judiciário diante de influências políticas.
Para o deputado Tadeu Veneri (PT-PR), o combate à corrupção deve ser mantido, mas sem repetir os erros da Lava Jato.
“A Lava Jato não era para ser um espaço de vingança, não era para ser um movimento messiânico que transformasse as pessoas em pseudo-heróis. Temos que aprender com isso, aprender e não repetir”.
Os impactos da Operação Lava Jato provocaram bate-boca entre os deputados Gilvan da Federal (PL-ES) e Jorge Solla (PT-BA).