Por Ivan Morais Ribeiro
Ato 01 – O Estupro no Réveillon
Personagem Vel: “Era mais de meia noite, eu estava dançando com um amigo perto da entrada quando fui abordada por um dos seguranças, que me coagiu a sair da festa, eu realmente não entendi o motivo e mesmo alcoolizada só atendi por ser uma figura de autoridade do local. Havia uma área de terra onde alguns carros estavam estacionados entre o cerrado. Eu estava completamente vulnerável, com muito medo. Um dos carros estava estacionado de ré para o cerrado, então atrás do carro só havia vegetação. Ali ele me virou de costas e sem a menor cerimônia me estuprou. Eu fui estuprada por quem deveria assegurar minha segurança. Eu tive medo, não reagi (poderia ter sido pior se reagisse, eu poderia apanhar, poderia demorar mais…), só queria que acabasse logo. Quando ele terminou mandou eu ficar lá, mais uma vez tive medo e não me movi. Ele voltou com outro segurança e disse: “Tá aí, cara, manda ver.” (Esse é parte do relato que uma jovem de 24 anos, a quem chamaremos de Vel, divulgou em seu Facebook e o qual “bombou” com milhares de compartilhamentos – vejaaqui)
Ato 2 – “O horror do crime seduz e faz gozar, em silêncio”
“O horror permeia o campo do direito e do processo penal. A partir da noção de horror e sua ostentação, pode-se repensar coordenadas em que o sistema de controle social é pensado e aplicado. A onda de linchamentos, condenações, prisões, séries de televisão, enfim, toda gama de produtos da indústria do entretenimento, baseiam-se nas figuras monstruosas, construídas a partir de sujeitos de carne e osso. Predadores sexuais, anormais, zumbis, fantasmas, personalidades que encarnam a maldade humana, todos fazem parte do elenco que os programas “escorre sangue” apresentam.” (MORAIS DA ROSA; AMARAL, 2015).
O jornal escrito com letras da reputação: “Jovem é estuprada por segurança em festa de réveillon na Asa Norte”. (Correio Braziliense. 04/01/2016).
Elemento de suspense: “Especialistas alertam que casos de estupros tendem a levar anos na Justiça.” (Correio Braziliense. 06/01/2016).
Atores coadjuvantes: “Especialistas avaliam suposto caso de estupro em festa: É crime sexual.”. (Correio Braziliense 05/01/2016).
“O relato aberto e corajoso dessa jovem é um indicativo de que essa relação não foi consentida. Ela está passando por um grave julgamento moral, mas enfrentou isso para denunciar”. (Especialista 01. Doutora em Direito Penal por uma das maiores Universidades do País).
“No caso relatado pela jovem, ela não se exporia dessa forma na internet nem procuraria a delegacia e o IML, se não tivesse sido violentada. É evidente que ela foi vítima de um estupro e que não consentiu aquela relação” (Especialista 02. Juiz Aposentado e professor de Direito Penal de uma das maiores Universidades do País).
“A situação narrada pela estudante de 24 anos configura-se como estupro de vulnerável. Esse tipo penal, normalmente, é usado para classificar agressões sexuais contra menores de 14 anos. Mas x afirma que também pode ser usado em casos de violência contra pessoas incapazes de oferecer resistência, como é um caso de uma mulher em grave estado de embriaguez” (Especialista 03. Advogada e Doutora.)
Elemento Político: Deputada Federal que defende os direitos humanos diz: “#Estupro na Festa de Ano Novo em Brasília repete a lógica fascista de que a vítima é transformada em algoz e o algoz em vítima. Nós não podemos permitir que exista esta relação de impunidade.” “(…) Essa jovem que foi brutalmente estuprada. E aí, é preciso que nós precisamos ter clareza que está se tentando revitimizá-la. Ela foi estuprada, não se teve a condição de considerá-la como dona do seu próprio corpo, dona da sua própria vontade, e tem sido culpabilizada em grande medida pelo estupro que sofreu. E como se tivesse essa lógica, que é a lógica fascista, de transformar as vítimas em algozes e os algozes em vítimas. E neste caso, um agressor que além de ter desumanizado esta jovem, a ofertou como se ela coisa fosse para seus amigos. A desconsiderou enquanto pessoa, sujeito da sua própria vida, sujeito do seu querer, sujeito da sua fala. Por isso, vamos romper essa cadeia de vitimização. (…)”
Elemento investigativo: 04/01/2016. Jornal Metrópoles: “Segurança acusado de estupro tem passagem na polícia por agredir a própria mulher”. (Coro na plateia).
Elemento interno surpresa: OAB/DF 05/01/2016: OAB/DF lança nota de repúdio à violência contra a mulher, bem como qualquer afirmação que evidencie a legitimação à cultura do estupro.
(INTERVALO) para se recolher os pedaços estilhaçados da reputação do “estuprador negro e pobre”.
Ato 3 – A repercussão nas mídias sociais
Figurante 01: Tem que capar um monstro desse (Comentário no Facebook)
Figurante 02: Escuta, esse malandro estava lá para prestar um serviço e não para flertar ou namorar ninguém. Já está errado desde o princípio. Espero que mesmo não sendo condenado nenhum evento contrate mais a empresa desse marginal nojento aí. (Comentário no Facebook)
Figurante 03: Esse fdp deveria estar num pau de arara pra pagar o que fez com a moça. Queria vê se fosse com a filha dele. (Comentário no Facebook)
Ato 4 – A Catarse
Catarse: Os elementos periciais e testemunhais indicam que não houve violência o que ratifica a versão do Investigado de que o sexo foi consensual. Além disso, a vítima foi submetida a exame de corpo de delito, no qual não foi possível constatar a incapacidade de reação. Por fim, testemunhas viram os dois dançando juntos e saindo de mãos dadas da festa em direção ao local onde ocorreu a relação sexual. Por fim, algumas testemunhas afirmaram que a vítima não demonstrou abalo psicológico e que ficou na festa até por volta de 05h da manhã. Desse modo a Polícia Civil conclui que não há elementos probatórios sequer para o indiciamento do cidadão apontado como autor. http://www.metropoles.com/distrito-federal/policia-civil-conclui-que-nao-houve-estupro-de-jovem-no-r…
Ato 5 – Desfecho
Personagem principal, o Inocente: “Foram quase 02 meses de pesadelo. Porém, confiei na justiça, pois sabia que ela viria. A Delegacia da Mulher confirmou o que eu sempre disse: a verdade. A verdade apareceu e agora posso respirar aliviado, embora o pesadelo não tenha chegado ao fim. Espero que meu caso sirva de exemplo para que outras falsas acusações não destruam vidas como assim fizeram com a minha. Perdi todos os contratos de minha empresa, minha família foi devastada, recebi ameaças de morte, fui condenado nas redes sociais, supostos especialistas sem a devida cautela me acusaram injustamente, pessoas me perseguiram, tive que me ausentar do convívio com meus filhos, deputados me acusaram de estupro, mancharam minha imagem pra todo o país, me acusaram de estupro sem que ao menos o Inquérito Policial tivesse sido concluído, o Sindicato da categoria absurdamente lançou Nota de Repúdio me rotulando como estuprador, muitos me julgaram sem saber o que de fato aconteceu. Neste tempo, minha vida virou um grande inferno. Assim pergunto: o que será de mim agora? Quem vai pagar a conta? E agora? Agradeço as pessoas que estiverem ao meu lado nesse momento difícil, aos meus advogados que sempre confiaram em mim: (…). Obrigado por tudo. #SempreFuiInocente”
Ato 6 – Você advogaria em um caso de estupro?
“O lobo sempre será mau, se você apenas ouvir a versão da Chapeuzinho Vermelho.”
PS.: Não comentei muito sobre os elementos de defesa e estratégicos, pois sou o Advogado do caso e ele até o presente momento não terminou. Assim que findar, conto como foram os bastidores. Forte abraço a todos.
REFERÊNCIAS
MORAIS DA ROSA, Alexandre. AMARAL, Augusto Jobim. Cultura da Punição: a ostentação do horror. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.
Ivan Morais Ribeiro – Advogado criminalista
Fonte: Canal Ciências Criminais