A medida provisória que criou o Programa Emprega + Mulheres e Jovens (MP 1116/22) foi alvo de intensas divergências nesta quarta-feira (22), em audiência pública da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados.
Segundo o governo, a medida parte da constatação de que mulheres e jovens foram os grupos mais afetados no mercado de trabalho durante a pandemia de Covid-19. Já sindicalistas e representantes da Justiça e do Ministério Público identificaram “cotas fictícias” e precarização na aprendizagem, além de “mordaça” na fiscalização do trabalho.
A MP recebeu 271 emendas de parlamentares que tentam alterar o texto original.
Quanto aos jovens, o subsecretário de Capital Humano do Ministério do Trabalho e Previdência Social, Rodrigo Zerboni, disse que o programa visa ampliar a contratação de aprendizes e melhorar a qualidade de formação e o atendimento aos jovens em condições de vulnerabilidade. Segundo ele, mesmo depois de 22 anos da criação das cotas de aprendizagem, apenas 50% da meta de vagas esperadas estão ocupadas.
“Esse programa já pode resultar na contratação de 250 mil adolescentes e jovens como aprendizes e ir evoluindo até os 100%, a partir desse novo patamar”, disse Zerboni.
Entre outros pontos, o programa prevê aumento de sete vezes na multa das empresas por descumprimento da cota de aprendizagem; obrigatoriedade de os contratos de terceirização de mão de obra preverem a alocação de aprendizes na empresa contratante; criação de incentivos para as empresas efetivarem os jovens aprendizes em contratos por tempo indeterminado após a conclusão do programa; e integração da aprendizagem profissional ao novo ensino médio da rede pública de ensino.
A secretária-adjunta do Ministério do Trabalho e Previdência Social, Tatiana de Vasconcelos, resumiu as medidas voltadas para as mulheres. “Traz várias propostas de equilíbrio entre a distribuição de tarefas de homens e mulheres para permitir que a mulher esteja mais disponível para as atividades laborais. A gente partiu do diagnóstico de que a maternidade é o fator mais impactante na empregabilidade das mulheres”, explicou.
Saque do FGTS
Segundo o governo, o programa amplia o apoio à parentalidade na primeira infância, com reforço na licença-paternidade de cinco dias, prioridade nas vagas de teletrabalho e previsão de saque do FGTS para auxílio no pagamento de creche. Também prevê ações de qualificação de mulheres em áreas estratégicas para ascensão profissional.
O Programa Emprega + Mulheres e Jovens foi previamente debatido em grupo tripartite de representantes de trabalhadores, empresários e governo. Porém, a representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Mara Feltes, se disse “impactada” ao constatar que sugestões básicas dos sindicalistas não foram acatadas.
Feltes classificou de absurdo o uso do FGTS para custear creche. “Essa medida transfere do poder público para as famílias a responsabilidade pela oferta de vagas em creche, sacrificando uma poupança que se destina à proteção da mulher em caso de demissão sem justa causa ou compra de casa própria”, afirmou.
Para a vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, essa medida representa a “desconstrução do sistema FGTS”.
Aprendizes
O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Bob Machado, sintetizou algumas das críticas ao programa em relação aos aprendizes. “Basicamente, cria incentivos às empresas descumpridoras das cotas de aprendizagem. Cria uma verdadeira mordaça à fiscalização, que não poderá atuar durante esse período. Não podemos trocar vagas certas por vagas possíveis e duvidosas. Que todos juntos digamos: nenhum aprendiz a menos”.
Representante do Ministério Público do Trabalho, a procuradora Ana Maria Ramos disse desconhecer os diagnósticos nos quais o governo se baseou para apresentar a medida provisória. Segundo ela, a MP dá um indulto para empresas quanto a multas e prazos para o cumprimento das cotas de aprendizagem e atropela o debate democrático da comissão especial da Câmara que analisa o novo Estatuto do Aprendiz (PL 6461/19).
Por divergência com a medida provisória, vários coordenadores regionais de inspeção do trabalho entregaram os cargos e prepararam um estudo técnico com críticas ao texto da MP. Entre elas está o risco de precarização da aprendizagem.
Na avaliação do assessor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Altair Garcia, o governo tem usado medidas provisórias para promover minirreformas trabalhistas.
De modo geral, os críticos do programa argumentam que a MP atropela os avanços já conseguidos na comissão especial do Estatuto do Aprendiz.
Preocupada com o que chamou de “impactos nefastos” da medida provisória na aprendizagem rural, a coordenadora da Escola Família Agrícola da Serra (Efasserra), Sônia Sbersi da Silva, fez um apelo aos parlamentares. “Estamos apavorados com o que vem por aí e pedimos muito aos deputados que revertam isso.”
Organizador do debate, o deputado Bohn Gass (PT-RS) citou outro ponto crítico do texto. “Eu fiquei preocupado de passar o período de aprendiz de 6 horas para 8 horas, porque aí o formaliza como assalariado: não é mais o jovem aprendiz”, alertou.
Já o representante do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Gustavo Leal Filho, adotou tom conciliatório entre a medida provisória e a proposta do Estatuto do Aprendiz.
O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (9ª Região) Ricardo da Fonseca alertou que, apesar de bem-intencionadas, algumas das medidas do Programa Emprega + Mulheres e Jovens podem ir no sentido inverso do esperado pelo governo. Ele apontou o risco de “cotas fictícias” para aprendizagem na medida provisória.
“O que efetivamente geraria contratação seria o Estado intervir na questão com incentivos fiscais e subsídios para os salários desses aprendizes. Se a pequena e a microempresa forem estimuladas a contratar, vamos ter 12 milhões, e não 1 milhão de aprendizes. A pequena e a microempresa são as que mais contratam no Brasil”, disse Fonseca.