A delimitação da Terra Kapôt Nhinore provocou troca de acusações nesta terça-feira (3) entre indígenas e produtores rurais de Mato Grosso e do Pará, durante audiência da comissão externa da Câmara dos Deputados que analisa o processo demarcatório. A terra indígena de 362 mil hectares é reivindicada pelos povos Mebêngôkre e Yudjá Juruna desde os anos 60. Também é o local de nascimento do cacique Raoni Metuktire.
Os estudos de identificação e delimitação acabaram de ser concluídos pela Funai, e agora corre o prazo de 90 dias para contestação. Morador da região desde 2003, o presidente do Sindicato Rural de Santa Cruz do Xingu, Jacinto Colombo, apontou prejuízos para a economia do município do norte de Mato Grosso. “Não havia presença de indígenas aqui e hoje a gente está com essa ingrata surpresa de demarcação, que vai afetar praticamente 40% do município e 10% da produção de grãos”, disse.
A Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso vê impacto da terra indígena em 297 propriedades rurais de Santa Cruz do Xingu e Vila Rica, onde a produção agropecuária gerou 187 empregos e movimentou R$ 66 milhões com soja e R$ 18 milhões com milho na safra passada (2021/22). O coordenador do núcleo de segurança da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, coronel Mário Solano, também citou transtornos sociais e econômicos para a cidade de São Félix do Xingu. “Existem mais de 2 mil famílias correspondentes a cerca de 10 mil pessoas. Como vamos movimentar essas pessoas e para onde elas vão? A produção da área envolvida compreende mais de 100 mil cabeças de gado e mais de um milhão de pés de cacau”, afirmou.
Solano reclamou que o Pará já tem 78% do território destinado a unidades de conservação, terras indígenas e assentamentos. Também argumentou que os Kayapó, outra denominação dos Mebêngôkre, já possuem oito terras no estado.
Visita técnica
A coordenadora da comissão externa, deputada Coronel Fernanda (PL-MT), disse que viu irregularidades no processo demarcatório em recente visita técnica à região. “Lá, no local, eu encontrei quatro indígenas e uma branca, que é casada com indígena. Mais ninguém”, relatou.
A deputada também apontou falhas no relatório antropológico. “O documento fala que a demarcação foi feita de dentro de um avião porque o antropólogo não teve condições de fazer isso a pé porque estava com medo dos conflitos internos de índio com índio e de índio com não-índio. Hoje, com a atualidade da tecnologia, as coisas não funcionam desse jeito”, criticou. Para Coronel Fernanda, há prejuízos tanto para os povos indígenas quanto para os agricultores.
Expulsão
Funai e lideranças Mebêngôkre e Yudjá rebateram irregularidades na demarcação da Terra Kapôt Nhinore e reafirmaram a história de assassinatos e expulsões dos indígenas por “forasteiros” e outros exploradores ilegais dos recursos naturais da região.
O cacique Megaron Txucarramãe, que também nasceu na área reivindicada e participou das expedições dos sertanistas Orlando e Claudio Villas-Bôas, iniciadas na década de 1940, recordou o deslocamento forçado de várias etnias para o Parque Indígena do Xingu, fugindo dos conflitos fundiários e das doenças (gripe, sarampo, tuberculose etc) dos invasores.
Megaron fez defesa enfática do território que preserva usos, costumes, crenças e tradições dos Mebêngôkre e Yudjá. “Kapôt Nhinore é nosso, de ocupação tradicional: tem riqueza de comida, fruta, caça, peixe. A gente vive em terra indígena em cima da riqueza que vocês querem explorar. Nossa vida, nosso costume é diferente do costume de outros indígenas e de homem branco, por isso é que a gente precisa de espaço”, afirmou.
Obrigação constitucional
A presidente da Funai, Joenia Wapichana, lembrou que a demarcação de terras indígenas “não é favor nem ideologia política”, mas obrigação constitucional, com procedimentos devidamente previstos na Lei 6.001/73. “Melhor agora que o Supremo decidiu que não cabe o marco temporal e aí nós temos toda a segurança de fazer o procedimento (de demarcação)”, acrescentou.
Ela também esclareceu que o processo demarcatório de Kapôt Nhinore começou em 1997 e que se trata de uma nova área indígena, e não a ampliação de outras terras Kayapó. “Não é novidade nenhuma: desde 2014 se aguardava essa conclusão. Ninguém será removido imediatamente: ainda faltam fases a serem concluídas”, garantiu a ministra.
Joenia Wapichana acrescentou que as demarcações só não estão em ritmo mais rápido por falta de servidores na Funai. Atualmente, o órgão analisa 490 registros de reivindicações fundiárias indígenas e 134 estudos de terras indígenas, a maioria (56 TIs) na Amazônia Legal. “A Terra Indígena vai dar segurança jurídica e também vai promover outros tipos de atendimentos em relação a sua sustentabilidade.”