Por Dayane Fanti Tangerino
Na última coluna esboçamos algumas ideias sobre como as tecnologias, em especial as novas tecnologias da informação e comunicação podem tornar mais efetivo o sistema de defesa dos direitos humanos, tanto em nível nacional como em nível internacional.
Assim, trouxemos à reflexão exemplos que tratam do uso da câmera de celulares em conjunto com aplicativos de reconhecimento facial para identificar violadores de direitos humanos, bem como casos onde o uso dawebcam e da rede social YouTubepossibilitou a denúncia ao mundo da situação de cárcere privado na qual estão alguns membros da realeza saudita.
Ocorre que, recentemente, terminei a leitura de uma obra de ficção cujo título é“Ponto de Impacto”, do conhecido autor Dan Brown (famoso por seu livro Código da Vinci), versando a narrativa sobre uma disputa eleitoral estadunidense entre o então Presidente do País e um Senador americano que, para ganhar as eleições se utiliza de estratégias de crítica à NASA (agência espacial norte-americana), amplamente financiada pelo então Presidente americano, não obstante nunca produza resultados satisfatórios que justifiquem os investimentos a ela destinados, mas que, naquele momento está prestes a noticiar ao mundo uma fantástica descoberta (que não direi aqui qual é para instigar a leitura da obra).
Independentemente da narrativa do livro, a questão que aqui nos interessa é que, já no início da obra, o autor coloca em evidência que as organizações e – atenção – as tecnologias descritas naquele livro existem de fato; e numa dada passagem do texto, Dan Brown descreve, de forma eletrizante, a perseguição que a protagonista e outros personagens sofrem por uma equipe militar – do governo –, denominada Força Delta que, para capturar suas vítimas e matá-las, utiliza-se, entre balas de gelo e outras invenções tecnológicas, – ai vem o nosso foco – de pequenos “insetos-robos” ou “microrrobôs”, similares a moscas ou pernilongos, assim descritos pelo autor “o microrrobô que estava no interior da habisfera era um modelo de reconhecimento, com peso reduzido ao mínimo para ganhar mais autonomia de voo”. E, numa rápida conclusão, para começarmos a atar os nós das nossas ideias, cabe dizer que, utilizando este “inseto-robô”, o agente militar não só conseguiu violar a intimidade de vários personagens, adentrando com o “inseto” nos mais variados ambientes sem ser notado, como também, derradeiramente, conseguiu assassinar um personagem! Assustador, não?
Mas bem, apesar do alerta do autor ao início da obra que dizia que todas as tecnologias apresentadas no livro já existem de fato, essa leitura já se fazia esquecida em meus arquivos cerebrais quando, ao acessar meu link de notícias numa destas manhãs, deparo-me com a notícia intitulada “Robô inspirado em baratas é criado para localizar pessoas soterradas”… Toda a narrativa do livro me veio instantaneamente à memória; por óbvio que a notícia trazia os grandes benefícios que a “barata-robô” traria aos agentes que socorrem situações de soterramento, ressaltando que “a capacidade que as baratas têm de se infiltrar em fendas e continuar a se mover rapidamente inspirou a construção de um robô projetado para localizar pessoas soterradas por escombros”.
Sem desmerecer a invenção que, com certeza auxiliará na localização e resgate de pessoas desaparecidas em deslizamentos e desabamentos, não consegui evitar, durante toda a leitura da notícia, pensar nos aspectos nefastos que tal invenção – como ocorre com praticamente todas as inovações que perpassaram a existência da humanidade –, em mãos autoritárias e criminosas poderiam significar aos direitos dos cidadãos.
Como o microrrobô do livro, a “barata-robô” apresentada pelos cientistas tem a incrível capacidade de mover-se por entre espaço livres ínfimos, podendo, enquanto desloca-se “diminuir o tamanho do seu corpo até um quarto de centímetro”, ou seja, pode tornar-se praticamente invisível ao olho humano, em especial quando agregamos este poder de redução de tamanho à velocidade com que se move, pois segundo o especialista, o que é impressionante nas baratas é sua capacidade de correr tão rapidamente em um espaço tão pequeno, sendo que a velocidade média das baratas seria algo equivalente a um ser humano conseguir correr numa velocidade de 80 km/hora!
Apesar de, segundo o inventor, “ainda tratar-se de um protótipo que demonstra a viabilidade de construir robôs mais eficazes inspirados em insetos dotados de exoesqueletos”, penso que as reflexões já nos cabem desde logo, pois se os dronesjá nos incitavam a uma relevante preocupação com a violação de direitos dos cidadãos, em especial, no tocante à vida privada, a honra e a imagem, imaginemos esses micro-drones!
Iniciemos as possibilidades: vamos imaginar essa tecnologia sendo usada para a espionagem, seja de pessoas, seja de segredos industriais, comercias, financeiros ou mesmo segredos de Estado… Quem disse que o conteúdo de reunião fechada entre dois líderes de determinados países que buscam negociar, por exemplo, a paz em determinada região, só ficará entre os que ali estavam presentes? Quem garante que em uma reunião entre os membros da direção de uma empresa para tratar de um novo componente para o desenvolvimento de seus produtos não há “alguém” mais tomando nota das diretrizes técnicas ali abordadas? Quem garante que, ao final do dia, quando eu, você ou qualquer outra pessoa chegar em casa e adentrá-la, não obstante tenha estado tudo devidamente fechado durante todo o dia, exceto aquela janelinha do banheiro, não haverá “ninguém” mais lá dentro pronto para conhecer os nosso segredos mais profundos, aqueles que reservamos para a privacidade do nosso lar?
Assim, a questão, apesar de parecer longínqua àqueles menos afetos às novidades tecnológicas – o que, realmente, não creio que seja – deve ser tratada com toda a seriedade e respeito que tal assunto merece, pois, de início já podemos antever uma imensa transformação na forma de cometimento dos denominados crimes de sigilo (previstos nos artigos 150 ao 154-B do Código Penal), tais como violação de correspondência (seja ela física ou eletrônica), violação de domicílio, divulgação de segredo, entre outras, sem considerar, ainda, os demais delitos que podem ser cometidos utilizando-se esta nova tecnologia, homicídios, lesões corporais, contágio de moléstia grave, dano, estelionato, violação de direito autoral, crimes de ódio etc.
Ademais, as violações de direitos humanos podem ser potencializadas pela utilização desses instrumentos tecnológicos, já que a imperceptibilidade inerente a estes “insetos-robôs” pode propiciar a invasão de locais onde grupos separatistas, rebeldes ou anti governo estejam reunidos e identificar os líderes de revoltas e manifestações, dificultando ou mesmo impedindo que tais grupos consigam se articular, favorecendo, de modo desleal, a ação preventiva de governos autoritários contra seus cidadãos que pugnam por mudanças e direitos.
Como dissemos na coluna passada, o mundo está presenciando a possibilidade de construção de uma gama de instrumentos de efetivação dos direitos humanos mais efetivos e eficazes, mas temos que admitir que também estamos diante de uma infinidade de novas formas de violações desses direitos… O futuro está ai, a nós, cidadãos, cabe, como sempre, nos mantermos atentos e atuantes, utilizando a nossa capacidade crítico-reflexiva para construir os modelos que entendemos ideais e possíveis, sempre tendo como norte o bem comum e a dignidade da pessoa humana.
Fonte: Canal Ciências Criminais