Por Camila Neiva Almino
Nu artístico é crime? A nudez, em nossa sociedade contemporânea, é vista, ainda por muitos, como algo que deve ser banido, por ser imoral e ofender o decoro alheio.
Nesse sentido, o artigo 233 do Código Penal dispõe que é crime “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”, impondo pena de detenção de três meses a um ano, ou multa para quem o praticar. Ainda, o Decreto-Lei n. 3.688/1941 (Lei das Contravencoes Penais), em seu artigo 61, determina como contravenção penal “importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”, com pena de multa.
Porém, o ato obsceno bem como o pudor público são conceitos bastante amplos e subjetivos, devendo ser observados segundo a sociedade atual e seus valores vigentes.
Assim, para ser considerado aquele crime ou aquela contravenção, deve haver um ato atentatório ao pudor público, com uma conotação sexual evidente e ofensiva da moralidade coletiva. E, para tal, deve estar presente o chamado dolo específico, ou seja, o agente deve agir com o objetivo ou finalidade de ofender o pudor alheio e a dignidade sexual.
Pelo contrário, quando se trata de nu artístico, a única finalidade do indivíduo é incrementar arte à sua apresentação, segundo o contexto em que está inserido, o que é bastante comum, por exemplo, em apresentações teatrais ou com o fim de transmitir alguma ideia, como é o caso de feministas.
Outrossim, o ato obsceno com este exclusivo propósito é, em sua essência, um ato de comunicação, transmitindo-se através dele determinados conteúdos. E, por conseguinte, a livre manifestação de pensamentos se perfaz como uma das bases de uma sociedade pautada no Estado Democrático de Direito, não podendo este censurar a transmissão de ideias, mesmo quando se trata de arte atrelada à nudez.
Deve-se ter em mente, portanto, que o nu artístico está intrinsecamente relacionado à garantia constitucional da liberdade de expressão, como dispõe o artigo 5, inciso IX, da Carta Magna, segundo o qual “é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Diverge daquele que sai nu pelas ruas com o fim de causar pudor ou constrangimento ou mesmo mal-estar a alguém, o que utiliza de sua nudez pessoal em uma apresentação teatral ou artística.
Tanto o é que o Supremo Tribunal Federal, em HC 83996, já decidiu no sentido de não se caracterizar o delito no caso de um artista ter simulado gestos de masturbação e mostrado suas nádegas, em um teatro, ao ter recebido vaias. Como o próprio julgado menciona, deve-se levar em consideração o contexto em que se verificou o ato, a fim de caracterizar a ofensa ao pudor público.
Ademais, não se deve olvidar que o Direito Penal é a ultima ratio para a mantença do controle social, não se tolerando que ele sirva de instrumento único para tal, devendo sua utilização ser subsidiária, somente assim, respeitando-se o princípio da intervenção mínima e limitando-se o poder punitivo estatal.
Afinal, não há outro conceito a não ser o de hipocrisia quando uma sociedade deprava a nudez com objetivo único de expressão artística, criminalizando-a, ao mesmo tempo em que tolera explicitamente a comercialização de certas pornografias bem como de representações sexuais na TV aberta.
Se o ato obsceno é necessário ou não na manifestação da arte, isto cabe à própria vontade subjetiva do artista, o qual, como supracitado, tem protegida a sua liberdade de expressão, ainda que na opinião de alguns seja uma conduta “inadequada” ou “deseducada” ou “fora dos padrões do bom comportamento social”.
Ainda, frente à liberdade de expressão inerente à arte, existem as críticas, direito da sociedade, tendo qualquer artista o privilégio de receber julgamentos a respeito de seu trabalho, sejam positivos ou negativos. Porém, não há que se falar em crime quanto ao nu artístico.
Fonte: Canal Ciências Criminais