Diante de dúvidas quanto à abrangência do texto, a relatora da proposta (PL 1183/19) de regulamentação da profissão de restaurador-conservador de bens culturais, deputada Erika Kokay (PT-DF), informou que vai buscar o consenso com outros profissionais preocupados com perda de direitos e de espaço, como museólogos, arquitetos e urbanistas. Reuniões técnicas foram marcadas para a penúltima semana deste mês, antes da possível votação do texto na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, no dia 30.
As divergências ficaram evidentes em audiência pública da Comissão de Cultura nesta quinta-feira (11). Kokay ouviu reclamações de museólogos, disposição de diálogo por parte de arquitetos e apelo de restauradores-conservadores pela garantia de direitos ainda não assegurados em lei.
A deputada reafirmou a relevância da proposta. “Óbvio que há várias profissões que lidam com isso, mas há necessidade de regulamentar a profissão de restauradores e conservadores, que não estão incluídos como museólogos nem arquitetos, mas que existem e são fundamentais para o resgate do nosso patrimônio. Tentemos uma formulação que seja consensual”, disse Erika Kokay.
A proposta original foi apresentada pela deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) e ganhou um texto alternativo (substitutivo) de Erika Kokay, já com ajustes sugeridos pelos próprios restauradores em busca de consenso. Um deles deixa claro que a proposta se refere a “bens culturais móveis e integrados”, a fim de incluir os bens imóveis, ou seja, edificados.
Mercado de trabalho
A alteração teve o apoio da professora do curso de conservação e restauro do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Maria Cristina Simão. Ela lembrou que, desde 2006, o campus de Ouro Preto vem formando vários restauradores de bens imóveis em curso bem avaliado pelo Ministério da Educação, mas que atuam no mercado de trabalho sem a devida garantia de direitos.
“Os fundamentos teórico-conceituais das disciplinas são similares, assim como os objetos de estudo e intervenção e os bens culturais, propiciando uma união de esforços que certamente fortalecerá a categoria como um todo”, observou.
Já a presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU-MG), Maria Leal, disse entender a necessidade de regulamentação, mas pediu tempo para analisar as mudanças juntamente com o colegiado. Segundo ela, é preciso “deixar as especificidades mais claras e achar os termos corretos”.
Críticas à proposta
As críticas mais contundentes partiram do assessor do Conselho Federal de Museologia e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Museus, José do Nascimento Junior, que vê sobreposição de atividades e riscos à Lei 7.287/84, que regulamentou a profissão de museólogo.
“Essa regulamentação não leva em conta o Estatuto dos Museus. A museologia é uma profissão que tem formação múltipla e ampla, inclusive no campo da conservação e reparo. E os museus, que existem no Brasil há 200 anos, só se mantiveram abertos e vivos até hoje por conta dos museólogos. Não podemos enfraquecer uma profissão”, afirmou.
A representante da Fundação de Arte de Ouro Preto, responsável pelo primeiro curso de conservação-restauração de bens culturais no Brasil, Gabriela Rangel, rebateu as críticas e citou algumas das especificidades da profissão de restaurador.
“É indispensável o conhecimento prévio de técnicas, propriedades físico-químicas de materiais, suportes, agentes de deterioração e o comportamento de diversos tipos de materiais frente às inúmeras formas de degradação ao qual os objetos estão expostos no dia a dia. Esse conhecimento multidisciplinar só é possível de se adquirir via uma formação específica na área”, disse.
Acordo sobre o texto
A diretora da Faculdade de Conservação e Restauro da Universidade Federal do Pará (UFPA), Roseane Norat, acrescentou que a atuação direta nos bens culturais exige qualificação especial que evite perdas e danos ao material.
A proposta também trata da regulamentação da profissão de técnico em conservação-restauração de bens culturais. Houve acordo para explicitar no texto que, durante trabalho em equipe, o técnico deverá atuar sob a supervisão de um bacharel.
Autora do projeto, a deputada Fernanda Melchionna rebateu críticas com o argumento de que “a ideia é garantir e não retirar direitos”. Ela acredita em acordo que leve a uma redação final que acabe com as interpretações de sobreposição de profissões.