A Justiça do Rio de Janeiro determinou o bloqueio de R$ 2 bilhões do orçamento estadual para que sejam feitas intervenções estruturais para a reconstrução da cidade de Petrópolis, na região serrana, que foi fortemente impactada por fortes chuvas nos dias 15 de fevereiro e 20 de março deste ano. Ao todo, morreram 233 pessoas na tragédia.
Na decisão, o juiz Jorge Luiz Martins Alves indica que os valores devem ser bloqueados da fonte 145 do orçamento do Estado do Rio, oriundos da concessão da Cedae, empresa pública da água e esgotamento sanitário. O juiz aponta que, segundo apuração feita a pedido do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), a fonte teria mais de R$ 4 bilhões em caixa.
Em julho, o juiz já havia determinado a execução das obras, mas não foi atendido.
“Considerando a singularidade fática dos pedidos, a ideação dos entes está acéfala de razoabilidade na medida em que as normas de proteção não podem ser mensuradas parceladamente com arrimo no critério da irreversibilidade, i.e. [isto é], a magnitude dos deveres que se acometem aos entes federativos para a obtenção da mitigação dos efeitos de desastres não admitem tergiversação porque os elementos etiológicos da tutela de urgência que se quer antecipar são orgânicos e insuscetíveis de controle temporal”, argumentou na sentença mais recente.
A justiça determinou também que a Secretaria Estadual de Assistência Social providencie o aluguel social para os atingidos e que a Secretaria de Infraestrutura e Obras faça as intervenções estruturais para mitigar os riscos geológicos da área atingida. O juízo fixou multa de R$ 50 mil para os titulares das secretarias em caso de descumprimento da determinação.
O magistrado determinou ainda que a Secretaria de Defesa Civil e Ações Voluntárias de Petrópolis indique os imóveis situados em áreas de risco que precisam ser demolidos e que a Secretaria Municipal de Assistência Social providencie o devido acolhimento das pessoas que serão desalojadas. O prazo é de 45 dias a partir da notificação. Além disso, a Secretaria Municipal de Obras deve proceder com as demolições em até 15 dias depois das providências anteriores.
A decisão do juiz se baseia nas 26 ações impetradas pelo MPRJ, que pediu a demolição de escombros com potencial de risco a imóveis vizinhos; a remoção e a realocação temporária de moradores das áreas de risco remanescente; o pagamento de aluguel social para as famílias ocupantes dos referidos imóveis; e obras estruturais para eliminar ou ao menos reduzir os efeitos de chuvas fortes na cidade.
Críticas
Bombeiros trabalham na remoção de entulho no Morro da Oficina, em Petrópolis um mês após enchente – Tomaz Silva/Arquivo Agência Brasil
O juiz Jorge Luiz Martins Alves criticou as alegações da Procuradoria do Estado de que, com a judicialização da questão, “o poder judicial está se superpondo à competência exclusiva do poder construtor de leis e do poder gestor”. Bem como a alegação de que não haveria reserva orçamentária para tais obras.
“O dispêndio tem como vetor de causação evento extraordinário, classificado como calamidade pública, fato que autoriza a ultrapassagem das regras de contenção vertidas na Lei Orçamentária e na Lei de Responsabilidade Fiscal”, argumentou Alves na decisão.
Ele citou o depoimento de uma moradora do Morro da Oficina, epicentro da tragédia, local que teve 93 mortos por soterramento, dos quais nove eram parentes dela. Em audiência pública, a moradora afirmou que nada foi feito na região até o momento, “por não ser um ponto turístico”.
Governo
Em nota, a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) informou que ainda não foi notificada pela Justiça sobre o assunto. O governo destacou que a Secretaria de Infraestrutura e Obras investiu mais de R$ 255 milhões em intervenções emergenciais em Petrópolis e prevê mais R$ 144 milhões em projetos de contenção e drenagem de solo, recuperação de canalização, requalificação de fluxo hidráulico, desobstrução e desassoreamento, além da reforma de quatro conjuntos habitacionais.
Segundo o governo do estado, houve demora no recebimento de laudos para algumas intervenções, mas, nos próximos dias, devem ser liberados mais editais de licitação para obras na cidade. Também estão atuando na recuperação de Petrópolis o Departamento de Estradas de Rodagem e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que retirou mais de 6 mil metros cúbicos de resíduos e sedimentos de ruas e 16 mil com o desassoreamento de rios.
“Cabe ressaltar que o Inea atuou de forma preventiva para minimizar as inundações decorrentes do transbordamento de rios em Petrópolis. As intervenções de adequação das calhas e macrodrenagem dos rios começaram no 2º semestre de 2021 e abrangeram a adequação das calhas em trecho de 3,8 km do Rio Cuiabá (90% concluído); adequação das calhas em trecho de 2,8 km do Rio Santo Antônio (35% concluído); e 80 metros do Rio Carvão (já totalmente concluído)”, disse o governo no estado.
Prefeitura
A prefeitura de Petrópolis não se pronunciou sobre a decisão judicial e informou que, em resposta às chuvas de fevereiro e março, já concluiu 49 obras, com o investimento de R$ 17 milhões de recursos do governo federal e da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
“Outras 62 estão previstas, sendo: 30 já autorizadas pelo prefeito Rubens Bomtempo; 22 já contratadas; e 10 já iniciadas. Já para o início de 2023, a prefeitura trabalha para iniciar obras de grande porte, nos principais pontos atingidos pelos desastres de fevereiro e março. Entre as regiões que serão contempladas, estarão o Morro da Oficina e a Vila Felipe”, informou a prefeitura em nota.
Segundo a prefeitura, os recursos foram conseguidos por meio de linha de crédito de R$ 100 milhões com a Caixa Econômica Federal. “Serão R$ 80 milhões para contenção de encostas e R$ 20 milhões para recuperar ruas. Esses recursos chegarão ao município em parcelas trimestrais durante 2 anos”.
Em parceria com o Inea, a prefeitura também trabalha em uma grande operação de dragagem para o desassoreamento dos rios, com a expectativa de retirar mais de 73 mil metros cúbicos de sedimentos.
Na assistência social, o executivo municipal informou que garantiu o aluguel social para mais de 4 mil famílias desabrigadas e desalojadas, além da entrega de 487 kits de linha branca, 15 mil cestas básicas, 52 toneladas de alimentos avulsos, mais de 15 mil cartões Supera RJ e 3.674 cartões Recomeçar.
A Defesa Civil municipal fez 13 mil vistorias e a prefeitura criou o Conselho Municipal de Defesa Civil, que irá decidir o uso dos recursos do Fundo Municipal de Defesa Civil, que tem a previsão de recursos de R$ 1,5 milhão para o próximo ano.