O Ministério Público em Viamão ajuizou, nesta segunda-feira, 11 de setembro, ação civil pública com pedido de tutela de urgência contra o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de Viamão para que deixem de, compulsoriamente, realocar os moradores remanescentes da política sanitária de higienização social da década de 1940 para combate à hanseníase, vinculados ao Hospital Colônia de Itapuã.
A ação pede ainda, que seja assegurado o imediato retorno daqueles já realocados e que seja interrompida a abordagem para fins de transferência dos moradores. Por fim, a ACP busca garantir sua manutenção no estabelecimento enquanto vivos estiverem, ofertando todos os serviços necessários para sua integral assistência e proteção (cuidados de saúde, higiene, alimentação, lazer, condições de remoção imediata em caso de necessidade de atendimento médico, além de recursos necessários à sua segurança).
A ação argumenta que há uma distinção entre as situações dos pacientes psiquiátricos e dos pacientes-moradores atingidos pela política higienista: enquanto para os doentes mentais é concedida a primeira oportunidade de viverem em ambiente outro que não o institucional, para o segundo grupo, a oportunidade de escolha foi viabilizada desde a década de 1980, tendo eles optado pela permanência. É direito dessas pessoas a “conservação da possibilidade de sua permanência no local eleito como seu lar, onde desenvolveram laços indissolúveis de amor e escolheram permanecer após a abolição das internações compulsórias”, diz a ação, que trata tão somente dos remanescentes do isolamento compulsório pela hanseníase.
ENTENDA O CASO
O Hospital Colônia de Itapuã foi inaugurado em 1941 com a proposta de atendimento integral às pessoas diagnosticadas com hanseníase em todo o Estado do Rio Grande do Sul. Foi concebido como uma minicidade autossuficiente, que dispunha inclusive de moeda própria. Ainda, desde seus primórdios, se constituiu como um serviço público de assistência em saúde e de moradia, tendo recebido ao longo de sua história 1.454 pessoas oriundas de diferentes localidades do Estado.
Em razão da fragilização dos vínculos e do longo afastamento da sociedade em geral, as pessoas internadas passaram a compor uma sociedade da qual compartilhavam o sentimento de pertencimento.
O Estado brasileiro somente aboliu a prática do isolamento compulsório de modo definitivo em 1986. Porém, vítimas do preconceito, dos longos anos de segregação e de fatores como a idade avançada, muitos usuários escolheram permanecer nos estabelecimentos que passaram a considerar seus lares, onde formaram vínculos afetivos indissolúveis.
Atualmente, restam apenas nove moradores remanescentes dessa política sanitária vinculados ao Hospital Colônia de Itapuã e eles vinham sendo “estimulados” a deixarem o local com base em interpretação forçada da Lei da Reforma Psiquiátrica.
A ação ajuizada deve-se ao entendimento do MP de que “considerando a dívida histórica decorrente do sofrimento, humilhação e restrição de direitos causados àqueles que foram afastados compulsoriamente do seio de suas famílias e da sociedade – muitos ainda na juventude, a sujeição dos últimos moradores do Hospital Colônia de Itapuã à realocação compulsória representa nova e inadmissível agressão à dignidade humana de pessoas hipervulneráveis”.