A Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados vai apresentar sugestões para o marco regulatório das mídias sociais, conforme informou o presidente do colegiado, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).
A declaração foi dada durante o seminário “Novos desafios regulatórios do ecossistema digital”, que começou nesta nesta quarta-feira (12) e continuará na semana que vem. A ideia da comissão, segundo ele, é “trabalhar paralelamente a outras iniciativas do Congresso Nacional na área”.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criou recentemente o grupo de trabalho que vai analisar o Projeto de Lei 2630/20, que pretende regulamentar as redes sociais e combater as chamadas fake news.
Silas Câmara disse que é favorável à regulação, e que os conceitos de liberdade de expressão e de liberdade religiosa vêm sendo usados de forma deturpada pelos opositores da regulação. “Pretendemos produzir uma regulação que seja justa, eficiente, respeite as liberdades, mas também que se construa um relacionamento em que tudo aquilo que é tradicional, tudo aquilo que existe em comunicação não seja atropelado”, avaliou.
O deputado ressaltou que as plataformas digitais utilizam, na maioria das vezes, produções da mídia tradicional sem qualquer tipo de remuneração e que esse é um dos pontos que devem ser regulamentados.
Priorização de propostas
A deputada Dani Cunha (União-RJ), que solicitou a realização do evento, também destacou que o objetivo do seminário é auxiliar na produção de um arcabouço regulatório moderno para as plataformas, condizente com a expectativa do brasileiro, destacando que 3/4 da população nacional estão diariamente conectadas a alguma rede social.
“Os debates que hoje iniciamos nos permitirão priorizar proposições que tramitam nesta Casa legislativa e que já estejam em condições de votação, e para indicarmos para a sociedade que a Câmara dos Deputados está atuante neste processo de regulação”, disse. “Nos últimos quatro anos, a não regulamentação das redes no Brasil gerou uma perda de mais de R$ 200 bilhões em receita”, acrescentou.
Potencial arrecadatório
Professor da Universidade de Brasília (UnB), Bruno Fernandes apresentou estudo mostrando o potencial arrecadatório da tributação de serviços digitais. “Alguns países europeus decidiram por implementar uma taxa específica, um tributo específico para serviços digitais, lá chamado de DST [digital service tax]”, explicou, observando que essa regulação serviu de base para o estudo.
Ele citou algumas propostas de tributação em discussão no Congresso Nacional, para além da reforma tributária, e a estimativa de arrecadação caso sejam aprovadas e implementadas:
- o Projeto de Lei Complementar (PLP) 2358/20, que trata da Cide digital (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), com alíquota de 1% a 5% e destino da arrecadação para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) – arrecadação estimada em torno de R$ 16,5 bilhões;
- o Projeto de Lei Complementar 218/20, que trata da Contribuição Social sobre Serviços Digitais (CSSD), com alíquota de 3% sobre a receita bruta e destinação dos recursos arrecadados para programas federais de renda básica – arrecadação estimada de quase R$ 10 bilhões;
- o Projeto de Lei do Senado 131/20, que estabelece regime diferenciado da Cofins digital (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), com alíquota de 10,6% sobre os serviços digitais – arrecadação estimada de R$ 35 bilhões.
Já com a reforma tributária e a unificação dos tributos de consumo, o potencial arrecadatório é de R$ 41 bilhões a R$ 82 bilhões. Mas isso ainda vai depender da regulamentação do tema, que ainda está em discussão no Congresso Nacional.
Reforma tributária
“A reforma tributária não exclui que nós sigamos o exemplo da Itália, da França e da Espanha e coloquemos um tributo adicional e específico para as grandes plataformas digitais, como proposto nos PLPs 218/20 e 2358/20”, apontou Othon de Azevedo Lopes, também professor da UnB.
“Uma outra coisa que pode ser feita é igualar a tributação dos serviços digitais com o serviços de telecomunicações, por eles serem complementares e análogos, e nós sabemos que sobre o serviços de telecomunicações incide o Fust [Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações] e o Funttel (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações), com alíquota de 1,5%”, acrescentou.
O deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP) defende que a carga tributária para as chamadas big techs seja compatível com a do setor de rádio e TV. Ele também defende a aprovação pela Câmara de norma para responsabilizar quem divulga notícias falsas.
Proteção de dados
A presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, deputada Nely Aquino (Pode-MG), afirmou que o colegiado também quer auxiliar nas medidas legislativas que melhorem o ecosistema digital do País. Para ela, os principais desafios na regulação incluem a proteção de dados e da privacidade dos usuários. “Precisamos criar regulamentos e estratégias que impeçam o uso indevido e o vazamento de dados sensíveis, que possam afetar a população”, disse.
“Em relação às plataformas digitais, é preciso evitar que elas se transformem em palanques para exaltar discursos de ódio, disseminação de fake news, manipulação política e fonte de fraudes e golpes”, completou. Nely também defendeu a educação da população para o uso seguro das plataformas digitais.
Professor da Universidade de São Paulo, Juliano Maranhão observou que vários dos serviços digitais são gratuitos, e o grande valor ou ativo deles são os dados. Ele lembrou que para a proteção e o tratamento de dados já existe regulação, por meio da Lei de Proteção de Dados.
Inteligência artificial
Para o professor Juliano Maranhão, é importante pensar na regulação não só olhando para o passado – para as mídias tradicionais – mas também para o futuro, levando em conta as ferramentas de inteligência artificial (IA), que, na avaliação dele, vão provocar uma transformação tão intensa quanto a provocada pelas plataformas digitais.
“A gente tem que fazer agora uma análise prospectiva e muito cuidadosa, porque as transformações estão ocorrendo, sobre quais seriam as consequências de uma regulação para um mercado que está em transformação”, apontou. “Em vez de só pensar no poder de mercado no ambiente digital e de plataformas, pensar como estará a alocação e as relações de poder neste novo mercado de inteligência artificial”, acrescentou. Segundo ele, isso é importante porque as próprias plataformas baseiam o modelo de negócio em IA.
Modelo europeu
De acordo com Juliano Maranhão, o modelo europeu, que serve de inspiração para a regulação dos outros países, inclusive para a última versão do PL 2630/20, é baseado em uma estratégia geopolítica específica e condições de mercado da Europa, e é preciso questionar se o Brasil deve ter a mesma estratégia.
O consultor legislativo Cesar Mattos disse que ainda não está claro se o Regulamento dos Serviços Digitais da União Europeia funcionou ou não, já que ele acabou de começar a ser implementado. Ele lembrou que também está em análise na Câmara o Projeto de Lei 2768/22, do deputado João Maia (PP-RN), que atribui à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) o poder de regular o funcionamento e a operação das plataformas digitais que operam no Brasil. O texto cria ainda uma taxa a ser paga pelas grandes empresas do setor.
Segundo ele, ainda não há consenso sobre o tema. O texto está sendo relatado na Comissão de Desenvolvimento Econômico pela deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), que promoveu uma série de debates sobre o tema.
O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, afirmou que a regulamentação deve priorizar a defesa da cidadania, da democracia, o combate ao anonimato e garantir uma sociedade mais justa, saudável, livre de mentiras, violência e agressões no ambiente digital.