Não se pode negar que se deparar com um corpo estranho em um produto alimentício dentro da validade causa imediata frustração do consumo e o constrangimento é quase inevitável. Isso ainda se agrava se o produto é consumido e a descoberta do corpo estranho é posterior, causando náuseas e podendo estabelecer um eventual direito a indenização por danos morais, pelo menos.
Recentemente, nos Estados Unidos, uma grávida encontrou um dedo ensanguentado em sua salada com frango em um restaurante do estado da Califórnia. Isto mesmo, um dedo! Em outro caso um consumidor em Maceió flagrou em certo supermercado um pedaço de bacon com inúmeras larvas. Além destes dois casos recentes, um consumidor em 2015, após comprar uma embalagem com suco de determinada marca em uma lanchonete, ao perceber um “balanço” diferenciado do conteúdo da embalagem, resolveu abrir e, para seu espanto, mesmo com o produto dentro do prazo de validade, encontrou um material em decomposição com fungos e mofos.
Eis agora um ilustre e recente entendimento de uma das câmaras cíveis do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em que um alimento estragado frustrou o jantar de um consumidor e seus clientes:
Tratando-se de relação de consumo a responsabilidade do fornecedor por fato/defeito no produto é objetiva, configurado o dever de indenizar se comprovada a ocorrência de danos moral ao consumidor e o nexo causal. Para que se possa falar em indenização por dano moral, é preciso que a pessoa seja atingida em sua honra, sua reputação, sua personalidade, seu sentimento de dignidade, se sujeitando a dor, humilhação, constrangimentos, isto é, tenha os seus sentimentos violados. Se ao consumidor é fornecido produto alimentício que, dentro do prazo de validade, encontra-se absolutamente impróprio para o consumo, com aspecto, odor e corpo estranho dentro da embalagem, frustrando o consumo e causando-lhe situação de constrangimento, náusea e indignação está caracterizado o dano moral. A fixação do valor do quantum indenizatório deve ocorrer em observância aos critérios da proporcionalidade e razoabilidade, considerados o caráter de reprimenda e reparação, bem como, a gravidade da lesão, conduta do ofensor e condição econômica das partes, não podendo servir de fonte de enriquecimento sem causa do lesado. [1]
Produto estragado sempre gera direito à indenização por danos morais? Confira trecho deste acórdão do mesmo órgão julgador acima mencionado:
Para a configuração do ato ilícito são indispensáveis a ocorrência da conduta, um dano e o nexo de causalidade entre este e o comportamento do agente. – O dano moral caracteriza-se pela violação dos direitos integrantes da personalidade do indivíduo, atingindo valores internos e anímicos da pessoa, tais como a dor, a intimidade, a vida privada e a honra, entre outros. – Mesmo se constatado que o produto era impróprio para consumo, mas não tendo o alimento sido ingerido, não há que se falar em dano moral, pois, tal situação não vai além de meros aborrecimentos. [2]
A aquisição de um produto do gênero alimentício que contém algum corpo estranho é, antes de mais nada, um defeito, e o fornecedor deve reparar os danos causados, independente da existência de culpa, conforme “caput” do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. (…) [3]
Há ainda no CDC o seguinte dever legal imposto aos fornecedores:
Art. 8º Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. (…)
Notadamente a presença de um corpo estranho em um produto alimentício não é, nem de longe, normal e previsível em decorrência de sua natureza e fruição. O dever legal previsto na norma é o de que qualquer produto colocado no mercado de consumo não pode acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores. Há de que mencionar, entretanto, que nem todo produto com um corpo estranho é necessariamente um risco em potencial para o consumidor. Ilustremos: um consumidor compra uma caixinha de leite de determinada marca e, ao abrir o produto, se depara com um material viscoso, um tanto quanto sólido e anormal. Tudo bem, não se pode constatar de imediato a composição e a origem deste material, mas sabe-se que o superaquecimento e outros processos normais de fabricação do leite podem, eventualmente, dar origem a substâncias anômalas. Tal substância pode certamente causar desgosto ou repulsa daquela pessoa que o consumiu ou estava prestes a consumir sem, no entanto, colocar em risco a saúde ou segurança do consumidor.
Ocorre que a sensação de repugnância e náusea já é um considerável constrangimento causador de mal-estar e a violação do artigo 8º do CDC pode ter origem, talvez, à partir do desconhecimento do que foi ingerido ou mesmo do incômodo causado e os efeitos subsequentes. Alguns julgados se fundamentam no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, no sentido de que em determinadas circunstâncias poderia restar violado o direito fundamental a umaalimentação adequada. Sejamos coerentes: acerca desta matéria a responsabilidade do fornecedor deve realmente pesar, afinal estamos falando de saúde e seu preço é inestimável, haja vista que este direito social previsto artigo 6ºda Constituição Federal é direito de todos e dever do Estado, conjectura que se acentua, naturalmente, nas relações de consumo. [4]
[1] JURISDIÇÃO. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0024.11.057415-9/001 0574159-59.2011.8.13.0024 (1). Órgão Julgador: 10ª Câmara Cível. Relator: Des. Cabral da Silva. Publicação: 04/12/2015.
[2] JURISDIÇÃO. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0338.13.012159-7/001 0121597-98.2013.8.13.0338 (1). Órgão Julgador: 10ª Câmara Cível. Relator: Des.(a) Mariângela Meyer. Publicação: 22/07/2015.
[3] BRASIL. Lei nº 8.078. Brasília, 11 de setembro de 1990. Acesso em 15/02/2016.
[4] BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Acesso em 15/02/2016.