Representantes do governo federal e deputados integrantes da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados discordaram sobre as políticas de prevenção e repressão à violência em escolas, em audiência pública realizada nesta terça-feira (2). Enquanto o MEC e Ministério da Justiça defendem, sobretudo, ações contra a disseminação de discursos de ódio nas redes sociais, a maior parte dos parlamentares do colegiado pede a presença de forças de segurança pública no ambiente escolar.
Por sua vez, a deputada Delegada Katarina (PSD-SE), que solicitou o debate, disse que é preciso promover a prevenção da violência a partir de políticas públicas integradas. Para ela, devem-se colocar de lado ideologias e radicalismos e encontrar um meio-termo na discussão. Ela propôs tanto a promoção da cultura da paz como cursos de autodefesa e detectores de metal nas escolas.
Redes sociais
Coordenador-geral de Direitos Humanos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação, Erasto Mendonça avalia que as redes sociais têm participação decisiva na propagação de discursos de ódio e da violência e defendeu a discussão pelo Congresso Nacional do controle social das redes sociais, por meio do chamado PL das Fake News (PL 2630/20).
“A violência contra a escola não pode ser reduzida aos trágicos acontecimentos recentes. Esse fenômeno é uma consequência da cultura de ódio aos indivíduos, de intolerância, de desrespeito, de discriminação, especialmente às pessoas mais vulneráveis”, declarou.
O representante do MEC não considera efetivas as políticas de pessoal armado nas escolas, citando a experiência norte-americana. “Pesquisa realizada nos Estados Unidos revisando 179 episódios de tiroteios em escolas entre os anos de 1999 e 2018 demonstra que a manutenção de guardas armados no interior das escolas não reduziu o número de vítimas em massacres”, apontou.
Ele lembrou de algumas ações do governo após os recentes ataques às escolas, como em Blumenau (SC): a disponibilização de telefone (Disque 100) e WhatsApp (61-996110100) para receber denúncias de ataques contra escolas; e o direcionamento de recursos extraordinários da ordem de R$ 3,15 bilhão para o Programa Dinheiro Direto na Escola.
Guardas municipais
Já o presidente do Instituto Nacional de Ensino, Estudos, Pesquisas e Projetos sobre Segurança Pública, Proteção e Promoção dos Direitos Humanos, Reinaldo Monteiro da Silva, defendeu que as guardas municipais sejam utilizados na segurança das escolas. Na visão dele, hoje há uma anomalia do sistema de segurança público brasileiro, com a atuação das polícias militares em crimes de menor potencial ofensivo. Segundo ele, existem mais de 130 mil guardas municipais no País, que deveriam andar armadas e atuar para proteger bens, serviços e instalações, inclusive escolares.
O deputado Capitão Alden (PL-BA) comentou que, em seu estado, 95% das guardas municipais nem mesmo cumprem os requisitos para funcionar. Ele pediu que o governo federal cobre dos prefeitos o cumprimento dos requisitos para o recebimento de recursos e o funcionamento efetivo das guardas. Esses requisitos incluem, por exemplo, formular um plano de segurança municipal. Ele citou o exemplo do município baiano de Luís Eduardo Magalhães, que colocou vigilantes armados em todas as escolas, o que, para ele, ajuda na prevenção da violência.
Além disso, o parlamentar cobrou atuação do governo contra os criminosos e defendeu o agravamento de penas para quem pratica esse tipo de crime. “Não se fala em agravar ou se atuar de forma permanente contra as fações criminosas que estão atuando dentro das escolas. As redes sociais são apenas uma ferramenta de externar possíveis pensamentos e ideias, mas antes o faziam nas pichações nas escolas, às vezes idolatrando facções”, declarou. Para ele, o Executivo se utiliza do PL das Fake News para perseguir opositores.
Ações de segurança
Secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo de Castro Pereira avaliou que não dá para comparar o impacto de pichações e de publicações em redes sociais. Ele informou que, após os recentes ataques em Santa Catarina, o governo determinou ação integrada entre os órgãos de segurança federais, estaduais e municipais, para promover, por exemplo, acompanhamento das redes sociais. “Graças a essa atuação, tivemos algo em torno de 359 prisões e apreensões, 1.579 conduções, mais de 360 buscas e apreensões, mais de 3.600 boletins de ocorrência registrados, mais de 2.800 investigações implementadas”, informou.
Marivaldo acredita, porém, que não é a segurança pública que vai resolver o problema, mas, sim, a melhoria do ambiente escolar. “Não podemos cair no discurso fácil de que o problema se resolve colocando gente armada, revista e treinando os alunos para reagir”, opinou. Ele defende ações para promover a escola como local de aprendizagem, de interação, de acolhimento e de esperança. Para ele, é preciso retomar, por exemplo, políticas de combate ao bullying e a adoção de mediação de conflitos dentro das escolas. Ele criticou ainda a disseminação de armas pela sociedade.
Diretor de Operações Integradas e Inteligência da Secretaria Nacional de Segurança, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, Romano José Carneiro ressaltou que grande parte dos responsáveis pelos ataques sofreram bullying, e é preciso estudar isso. Ele observou que muitos responsáveis pelo ataque também anunciam previamente as ações. “Temos de exaurir todas as demandas preventivas, porque o ataque em Blumenau [SC], por exemplo, durou 20 segundos”, citou. “Qual a ação ostensiva policial que vai conseguir ter êxito em um ataque que durou 20 segundos?”, questionou.
O deputado Sargento Portugal (Pode-RJ), por sua vez, criticou a visão dos representantes do Ministério da Justiça e propôs um “cinturão de segurança para proteger os mais vulneráveis”. O deputado Alberto Fraga (PL-DF) também defendeu a presença permanente da polícia ou da guarda civil nas escolas. “Não podemos abrir mão do batalhão escolar, mas o povo da esquerda não aceita esse tipo de coisa”, opinou.
Visão dos delegados e das escolas
Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Rodolfo Queiroz Laterza salientou que o enfrentamento do problema deve se dar em vários eixos, de forma multidisciplinar. Ele acredita na conexão das escolas com os órgãos de segurança pública, por exemplo, por meio de palestras de policiais nas escolas e citou como referência o programa norte-americano Dare (Drug Abuse Resistance Education, sigla em inglês), de enfrentamento e prevenção às drogas nas escolas. Ele também defendeu punição maior para quem armazenar ou portar armar de fogo no interior e nas adjacências de escolas. Além disso, propôs o ensino de ética e deontologia (ciência do dever e das obrigações) nos colégios.
Já o presidente da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem), que representa as escolas particulares, Paulino Delmar Pereira, destacou que os estudantes e suas famílias foram muito afetados pela pandemia de Covid-19, gerando problemas emocionais que estão sendo sentidos agora. Para ele, esse deve ser o cerne das discussões, e não a segurança pública. Ele defende, porém, que temporariamente as escolas possam fazer vistoria seletiva nas mochilas dos alunos, inclusive por meio de detectores de metais, e orienta que os pais também façam essa verificação para saber o que os filhos estão levando para as aulas. Além disso, a Confenem orienta as escolas a elaborarem um manual de proteção escolar e um plano de combate a ataques nas escolas.
Outras ações do governo
Diretora de Formação Docente e Valorização de Profissionais da Educação da Secretaria Básica de Educação (SEB) do Ministério da Educação, Cybele Amado de Oliveira citou outras ações do governo, como a formação de grupo de trabalho interministerial para discutir o tema. Além disso, o MEC já iniciou debates e lives abertos aos professores para tratar de temas como bullying, empatia, comunidades de ódio e redes sociais.
O ministério também já disponibilizou cartilha de recomendações para a proteção e segurança no ambiente escolar e promoverá cursos sobre o tema. “Tão importante quanto discutir muros, câmeras, se teremos policiais ou não, é importante temos um ambiente na escola que estabelece diálogo com a comunidade”, afirmou.