Deputados e profissionais jurídicos divergiram sobre a extensão da imunidade parlamentar para ambientes externos ao Congresso Nacional, durante audiência da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (3).
Há consenso de que a imunidade é indispensável ao exercício do mandato. O ponto de divergência é que, se estendida às palavras e votos pronunciadas fora do contexto parlamentar, como nas redes sociais, será difícil fazer a moderação do conteúdo. Isso poderia funcionar como uma blindagem para eventuais crimes, como o racismo.
Já os defensores de que a imunidade deve ser exercida de forma absoluta afirmam que a Constituição já garante que os parlamentares não podem ser punidos por suas opiniões.
Para a advogada criminal Dora Cavalcanti, a imunidade será “próxima do termo absoluto” quando vinculada à função parlamentar. Entretanto, ela reconheceu que esse direito deve ter limites nas plataformas para permitir o controle contra abusos.
“Seria viável fiscalizar e controlar uma eventual quebra de decoro parlamentar de tudo o que é postado, de tudo o que circula no ambiente virtual, ou neste caso nós estaríamos a equiparar essa imunidade mais ampla a uma terra de ninguém, a uma terra sem controle?”, questionou.
Segundo ela, tampouco pode haver uma lista prévia que proíba temas de serem discutidos pelos parlamentares, o que avalia como uma “censura prévia” à liberdade de expressão.
“Não vejo com bons olhos a construção de um hall de temas proibidos que não podem ser debatidos, porque não estariam dentro do conceito de imunidade”, reforçou Cavalcanti, fundadora do braço brasileiro do Innocence Project, uma ONG que trabalha para tirar da prisão inocentes condenados injustamente.
Limites
De acordo com o jurista Lenio Streck, a imunidade parlamentar deve ser limitada, porque o direito pertence ao Parlamento, como um sistema, e não ao deputado, de forma individual.
“O ministro do Supremo quando vota não pode dizer qualquer coisa, nem o deputado. Ele pode dizer o que pensa, e tem imunidade que está dentro do ordenamento. Ninguém é outsider do sistema, tudo que está dentro dele (sistema) deve ter harmonia”, disse.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello também é favorável à limitação. Segundo ele, o interesse sobre a imunidade é da sociedade que espera a atuação espontânea do parlamentar. “O instituto não visa beneficiar em si o cidadão parlamentar. O instituto visa sim a beneficiar a sociedade no que ela quer, para que o parlamentar atue com absoluto desprendimento”, frisou.
Judicialização
Favorável à moderação, o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) defendeu o recurso ao STF , quando há divergências sobre os limites à imunidade. “Não há direito absoluto. E quem pode solucionar quando há uma colisão de direitos é o poder imparcial, que é o poder judiciário”, disse.
Nesse ponto, o deputado Marco Feliciano (PL-SP), que solicitou o debate, criticou a judicialização sobre o tema. “Quando nós colocamos nas mãos do STF uma ação que deveria ser nossa, nós nos diminuímos. A Casa se diminui”, disse.
O parlamentar relatou que contra ele tramitam mais de 15 processos no STF em que é acusado de racismo, homofobia, misoginia, entre outros, em razão de seus discursos.
Pluralidade
Contrária à limitação, a deputada Caroline de Toni (PL-SC) sustentou que a pluralidade de opiniões no Congresso é garantida pela imunidade, que permite a manifestação de ideias diferentes.
“A gente está falando não de um direito propriamente do parlamentar, mas a imunidade diz respeito à proteção da voz de mais de 200 milhões de brasileiros, por que esta Casa representa todos os segmentos da sociedade
Nessa mesma linha, disse o desembargador Willian dos Santos: “A fala do parlamentar não precisa ser correta para ser protegida, basta ser a voz de alguém que o colocou ali”. Ele defendeu que a imunidade dever ser interpretada tal como está descrita na Constituição, tanto dentro quanto fora do Congresso.