Em audiência na Câmara dos Deputados, entidades socioambientais receberam apoio de representantes dos ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário na busca do reconhecimento de Cerrado e Caatinga como patrimônios nacionais. Eles cobraram a aprovação das propostas (PEC 504/10 e três apensadas) que incluem os dois biomas na Constituição Federal, como já ocorre com a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira.
A chamada PEC do Cerrado e da Caatinga está pronta para votação do Plenário da Câmara desde 2013; porém, enfrenta resistência das bancadas ligadas ao agronegócio e a outros setores produtivos. Os defensores do texto argumentam que o reconhecimento como patrimônio nacional pode ampliar as políticas públicas de proteção do Cerrado, segundo maior bioma do país, e da Caatinga, único bioma exclusivo do Brasil, ambos ricos em biodiversidade. O debate ocorreu na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários. A coordenadora-geral da Rede Cerrado, Maria de Lurdes Nascimento, criticou o atual foco de proteção apenas em biomas predominantemente florestais.
“Ninguém deve ter a ilusão de que a vida estará salva ao se preservar só a Amazônia. Não estará. A Amazônia não sobreviverá se o Cerrado e a Caatinga deixarem de existir. Temos que dar as mãos e salvar todos os biomas, porque um é tão importante quanto o outro”, afirmou.
A Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) também reforçou a tese de conexão e interdependência dos biomas. Coordenador da ASA na Caatinga de Pernambuco, Paulo Pedro de Carvalho não vê obstáculos das PECs para os setores produtivos ambientalmente sustentáveis.
“Nós não estamos aqui contra o desenvolvimento. Muito pelo contrário: povos da Caatinga e do Cerrado merecemos ter os nossos biomas reconhecidos na Constituição Federal”, disse.
Representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o diretor de política agrícola da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Sílvio Porto, citou dados do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para mostrar que a agricultura familiar dos dois biomas oferece rica variedade de alimentos, muito além da monocultura de grãos que avança nesses ecossistemas.
“Da Caatinga, a gente recebeu (no PAA) propostas que representam 221 tipos de produtos e de alimentos diferentes; do Cerrado, são 235. Isso mostra que não é só um, dois ou três produtos (da monocultura) que são relevantes por terem relação com as exportações e a balança comercial”.
O diretor do departamento de combate à desertificação do Ministério do Meio Ambiente, Alexandre Pires, ressaltou a relevância da PEC no atual contexto de mudanças climáticas e de valorização da sociobioeconomia e da agroecologia.
“A aprovação dessa PEC é sobretudo reconhecer a importância dos povos que neles vivem e a importância da biodiversidade para a sustentação e a sobrevivência desse planeta”, sustentou.
Organizadora do debate, a presidente da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários, deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), anunciou nova articulação para a aprovação da PEC do Cerrado e da Caatinga, com argumentos reforçados pela futura Conferência da ONU sobre Mudanças do Clima, a COP-30, prevista para 2025 em Belém, no Pará.
“Sabemos o quanto os nossos territórios têm sido vítimas de ataque. Iremos nos debruçar aqui com todos os líderes de bancada e articular com o presidente da Casa para pautar e aprovar (a PEC) no Plenário. Não dá para o Brasil sediar a COP sem o compromisso com os outros biomas”, apontou.
Outro reforço nessa articulação virá da Frente Parlamentar Ambientalista por meio de um grupo de trabalho de proteção do Cerrado, segundo a deputada Dandara (PT-MG).
“São mais de 12 mil espécies de plantas, a grande maioria ainda nem estudada a fundo. Por isso, nos dói tanto ver incêndios criminosos no Cerrado, porque, para nós, é a mesma coisa que botar fogo em uma biblioteca sem ela nunca ter sido lida”.
O GT Cerrado da frente ambientalista foi lançado durante a décima edição do Encontro e Feira dos Povos do Cerrado.