Participantes do 20º Seminário LGBTQIA+ do Congresso Nacional criticaram a tentativa de deputados de votarem projeto de lei proibindo a união homoafetiva (PL 5167/09) em comissão da Câmara dos Deputados.
No mesmo momento da realização do evento, a Comissão de Previdência estava reunida para votar a proposta que proíbe que relações entre pessoas do mesmo sexo equiparem-se ao casamento ou a entidade familiar. Após algumas horas de discussão, houve acordo entre apoiadores e críticos para adiar a votação para a semana que vem.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos, a deputada Luizianne Lins (PT-CE) afirmou que o momento deveria ser de retomada das políticas para a comunidade LGBTQIA+ e de luta contra os retrocessos para esse segmento da população.
Desde 2011, o Supremo Tribunal Federal reconhece a união homoafetiva como núcleo familiar, equiparando as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Por isso, participantes do seminário defenderam que o projeto em discussão na Câmara é inconstitucional. O texto inclui a proibição de uniões homoafetivas no Código Civil.
Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania, Symmy Larrat afirmou que a iniciativa de votar esse projeto é uma tentativa de obter holofotes para um movimento que cultiva o ódio às pessoas LGBTQIA+. Na avaliação dela, é preciso planejamento estratégico para enfrentar esses discursos e conseguir implementar políticas públicas para esse segmento da população.
Ela informou que neste ano haverá o maior orçamento da história para as pessoas LGBTQIA+, mas ainda assim será insuficiente para as políticas públicas necessárias para garantir a vida e os direitos desse grupo.
Diálogo com evangélicos
Diretor Presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis defendeu o diálogo com as pessoas evangélicas sobre o tema. “Nós não queremos destruir a família de ninguém, não queremos erotizar nenhuma criança”, disse. “Eu não conheço uma família que foi destruída pela decisão do STF. E se alguém souber que alguma família, alguém perdeu direitos por 20 milhões de pessoas terem ganhado direito ao casamento, eu desisto da militância LGBTI+”, acrescentou.
Segundo Reis, estão em análise na Câmara 36 projetos favoráveis à comunidade e 63 projetos que tiram direitos dos LGBTQIA+ na Casa. Ele defendeu a aprovação pelos parlamentares do Projeto de Lei 7292/17, chamado de “Lei Dandara”, em homenagem a uma travesti assassinada no Ceará, sobre o enfrentamento da LGBTfobia. E salientou que a Frente Parlamentar Mista por Cidadania e Direitos LGBTI+, integrada hoje por mais de 260 parlamentares, nunca foi tão grande.
Projeto inconstitucional
Secretária da Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Bruna Benevides acredita que a discussão do projeto no mesmo dia e hora de realização do seminário é uma tentativa de enfraquecer a articulação do movimento LGBTQIA+. “Essas armadilhas querem nos desviar do nosso objetivo, que é avançar, e a gente está avançando e vai avançar cada vez mais”, opinou. Ela observou que, caso o projeto de lei seja aprovado pelo Congresso Nacional, ele será barrado pelo STF, por ser inconstitucional.
“Se hoje não há a menor possibilidade de eles impedirem efetivamente o casamento, ou negarem o acesso à retificação de nome e gênero ou a garantia do acesso à saúde para a juventude e as crianças, todos direitos que nós conquistamos, é porque nós, enquanto movimento, conseguimos pautar essas conquistas de forma sólida”, afirmou.
Projeto reacionário
Representante da Liga Brasileira de Lésbicas, Léo Ribas disse que milhares de pessoas LGBTQIA+ e seus filhos terão a segurança jurídica retirada de viver como famílias se o projeto de lei seguir adiante. “Retirar o direito ao casamento igualitário diz muito sobre um projeto reacionário e fascista, porque retira também o nosso direito de inserção na sociedade, como casais que compartilham toda uma vida”, declarou. Na visão dela, o Parlamento deveria, na direção oposta, estar atuando para proteger esse segmento da população, já que o Brasil continua a ser o país que mais mata pessoas LGBTQIA+.
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Heliana Hemetério disse não imaginar que teria que discutir a legalidade da união homoafetiva de novo, depois da decisão do STF em 2011. Para ela, o pacto da heteronormatividade é silencioso e está cada vez mais forte. “O pacto da heteronormatividade está cada vez mais fechado e se fortalecendo contra nós, com o apoio das igrejas neopentecostais”, avaliou.
Secretária da Cidadania e da Diversidade do Ceará, Mitchelle Meira também lamentou os retrocessos do Legislativo, quando é preciso avançar em legislações positivas para a proteção da população LGBTQIA+. “Tenho certeza que a população brasileira não é todo esse ódio não, é uma pequena camada da população”, opinou.
Representatividade política
Representante da Fundação Luminate, Gustavo Ribeiro chamou a atenção para resultados de pesquisa conduzida pela fundação em conjunto com o Instituto Ipsos mostrando que, para 59% dos brasileiros, a população LGBTQIA+ deveria ter uma representação maior na política. O Brasil lidera o ranking que defende o aumento do acesso desse grupo aos espaços de poder nos quatro países da América Latina que foram analisados – Brasil, Argentina, Colômbia e México. O levantamento mostra ainda que 63% dos entrevistados no Brasil concordam total ou parcialmente que a diversidade de vozes — incluindo a pluralidade de identidades de gênero e sexualidades — é um aspecto essencial de uma democracia.
Conforme ele, para 52% dos entrevistados, os principais obstáculos para o aumento da representatividade política das pessoas LGBTQIA+ são a violência, o preconceito e a discriminação. E 54% dos entrevistados no Brasil apoiam a garantia de recursos partidários para candidatos LGBTQIA+, algo que ainda não foi discutido. Ele acredita que a vontade popular está em direção contrária às medidas discutidas no Congresso.
Pessoas trans
O representante do Coletivo de Famílias de Pessoas Trans, Santiago Rodrigues, ressaltou a importância de políticas de acolhimento e de saúde mental para as pessoas trans desde a infância, de modo que elas e suas famílias possam compartilhar vivências. Ele frisou que a taxa de suicídio de pessoas trans é maior do que a população em geral, em virtude do isolamento e do preconceito.
Diretora da Rede Trans Brasil, Tathiane Araújo informou que 70% desse segmento da população já passou por algum tipo de violência, seja sexual, física ou verbal, e que o Legislativo precisa encampar a pauta em defesa das pessoas trans.
Rudá Alves, do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, frisou que hoje não existe uma política pública de proteção à vida da população LGBTQIA+.
“Nós morremos na rua, não morremos dentro de casa, não morremos no hospital, nós morremos com muito tiro, e todas as vezes são mulheres travestis negras que estão estiradas nas ruas”, destacou Bruna Ravena, do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros. Segundo ela, o segmento precisa entrar no orçamento destinado à moradia, à educação e à segurança pública, por exemplo, e defendeu emendas parlamentares para apoiar o trabalho de travestis no Brasil .
Procurador do Trabalho, Igor Sousa Gonçalves informou que hoje 90% das pessoas trans estão fora do mercado de trabalho formal, muitas na prostituição. Segundo ele, estima-se que 4 em cada 10 pessoas LGBTQIA+ já sofreu alguma discriminação no trabalho e que 33% das empresas não contratariam pessoas trans para cargos de gestão. Ele destacou que a situação é pior na Região Norte do Brasil, que precisa de um olhar mais cuidadoso.
Procurador da República, Lucas Almeida afirmou que as pessoas LGBTQIA+ enfrentam diariamente violência simbólica, ou seja, que as atinge para além de suas existências. Por isso, segundo ele, alguns países como Nova Zelândia e Inglaterra, além do Parlamento Australiano, já fizeram pedido de desculpas públicos à população LGBTQIA+, e ele sugeriu que o Parlamento brasileiro faça algo nesse sentido. Ele também sugeriu que o Legislativo tome iniciativa para a produção de mais dados sobre esse segmento da população e disse que uma fatia do orçamento público precisa ser destinado para esse fim.
Registro civil
Presidente da Associação Brasileira Intersexos, Thaís Emília disse que a pauta deste segmento específico é invisibilizada mesmo dentro do movimento LGBTQIA+, com ausência total de direitos de cidadania. Pessoas intersexo nascem com características sexuais físicas que não se enquadram nas definições típicas masculinas e femininas. “Quando nasce um bebê intersexo no Brasil, raramente a certidão de nascimento é emitida, o CPF também não é emitido”, citou. Ela defendeu uma lei especifíca para o segmento – o estatuto da pessoa intersexo.
Representante da Articulação Brasileira Não-Binare, Bruna Bonassi informou que as reivindicações do movimento incluem acesso ao registro civil, a trabalho , aos espaços públicos e privados das cidades, à saúde, a dados sobre esse segmento da população, a orçamento público, a segurança nas prisões, entre outras.
Natasha Avital, da Frente Bissexual Brasileira, salientou a alta taxa de suicídio dessas pessoas e a falta de políticas específicas para o grupo.
LGBTs e indígenas
A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) defendeu a luta conjunta dos povos indígenas e do movimento LGBTQIA+ em prol da diversidade na sociedade.
Representante do Coletivo Tybyra Indígenas LGBTs, Erisvan Guajajara ressaltou que, para eles, a luta pela liberdade de gênero e orientação sexual está ligada à luta por território, terra, alimentação saudável e proteção dos povos. De acordo com ele, são centenas de indígenas LGBTs vivendo em diversos povos e falando diversas línguas que enfrentam racismo, violência de gênero, miséria e a morte. “Imagina ser indígena e LGBTQIA+ neste País de racistas”, disse.
Nesta edição, o seminário, que prossegue nesta quarta-feira (20), homenageia o ex-deputado David Miranda, que se destacou na luta por liberdade de expressão e pelos direitos LGBTQIA+. Ele morreu em maio, depois de nove meses internado para tratamento de infecção gastrointestinal.
O seminário é promovido pelas comissões de Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais; de Defesa dos Direitos da Mulher; de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial; de Educação; e de Saúde. O evento prossegue nesta quarta-feira.