O Ministério Público do Trabalho apresentou, nesta quarta-feira (29), durante audiência na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, números alarmantes de casos de trabalho análogo à escravidão no Brasil. Força-tarefa, alterações legislativas e até uma Comissão Parlamentar de Inquérito estão entre as iniciativas dos deputados para enfrentar o problema. O procurador-geral do Trabalho, José de Lima Pereira, informou o resgate de 918 pessoas em condições degradantes de trabalho de janeiro a 20 de março, número recorde em um primeiro trimestre nos últimos 15 anos. A maior parte dos casos ocorreu no Rio Grande do Sul e Goiás, mas Pereira afirma que o problema é generalizado.
“O trabalho escravo contemporâneo existe em todo o território nacional. Não há uma exclusividade de região, de estado ou de segmento econômico”, informou. De 1995, quando foram criados os grupos especiais de fiscalização móvel, até 2022, mais de 60 mil pessoas foram resgatadas em trabalho análogo à escravidão.
A presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputada Luizianne Lins (PT-CE), também citou dados das Nações Unidas (Revisão Periódica Universal – RPU) que apontam aumento desses registros: de 648, em 2017, para 2.575, no ano passado. O procurador José de Lima Pereira deixou claro o conceito de trabalho escravo.
“Houve, por muito tempo, a ideia de que o trabalho escravo só existiria se houvesse perda da liberdade de ir e vir. É uma inverdade. O trabalho escravo ocorre quando se reduz a dignidade, torna-se servil de dívidas um trabalhador ou uma trabalhadora com jornadas exaustivas e degradação do ambiente de trabalho”, explicou.
Os casos se sucedem tanto no campo quanto nas cidades. Entre os mais recentes, estão os resgates de 207 pessoas em vinícolas do Rio Grande do Sul e de outras cinco na montagem do festival musical Lollapalooza, em São Paulo. Pereira cita registros de degradação no trabalho com uso de choques elétricos, spray de pimenta e várias modalidades de tortura. Acrescentou que 90% dos casos estão ligados à terceirização e outras formas de flexibilização das leis trabalhistas. O procurador também ressaltou a ligação do trabalho escravo com outros crimes, como tráficos de pessoas, de armas e de drogas. Ao mesmo tempo, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) denunciou a precarização da fiscalização e da prevenção ao trabalho escravo, com cerca da metade dos cargos vagos por falta de concurso público.
Organizador do debate, o deputado Padre João (PT-MG) propôs reuniões imediatas com os ministros do Trabalho e da Casa Civil, além de uma força-tarefa em busca de soluções urgentes no Parlamento.
“Vamos requerer à Casa Civil para receber os deputados e o representante dos auditores fiscais já para planejar um concurso e a reestruturação da própria carreira. E os outros aparatos a gente vai construindo por meio observatório em busca dessa força-tarefa para se ter celeridade”, disse o deputado.
O deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ) já conseguiu mais de 100 assinaturas para a instalação de uma CPI na Câmara a fim de investigar o crescente trabalho escravo no país.
“Ela pode contribuir pedagogicamente com esse debate, ampliar o debate dentro do Parlamento e depois ter um conjunto de resoluções que, de fato, possa nos ajudar a enfrentar o trabalho escravo, esse lucro pelo lucro que acaba desumanizando a própria vida”, justificou.
Integrante da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, o procurador Italvar Medina sugeriu o apoio dos deputados para que o Brasil assine os protocolos das convenções (29 e 181) da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que tratam de prevenção ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas. Já com foco na reinserção dessas pessoas no mercado de trabalho, Medina sugeriu a aprovação do projeto de lei (PL 3168/21), do deputado Carlos Veras (PT-PE), que aumenta de três para seis o número de parcelas do seguro desemprego pago aos resgatados do trabalho escravo. Apesar de proposta semelhante em análise no Senado, a deputada Reginete Bispo (PT-RS) apresentou projeto de lei (PL 1102/23) que regulamenta o artigo (243) da Constituição sobre expropriação de estabelecimentos rurais e urbanos que tenham sido palcos de trabalho escravo.
“Aqui, nós estamos colocando a regulamentação sob a responsabilidade da Justiça do Trabalho, porque queremos celeridade nesses processos de expropriação. Senão, vai para a Justiça Penal, fica a vida toda, a pessoa morre e jamais é corrigido esse erro histórico”, explicou.
Outro projeto (PL 572/22) citado na audiência cria o Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas, que também apresenta medidas de prevenção ao trabalho escravo. O texto é de autoria do deputado Helder Salomão (PT-ES).