A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (4) projeto de lei complementar (PLP) que regulamenta a securitização da dívida ativa da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. A proposta será enviada à sanção presidencial.
Essa securitização é uma espécie de venda com deságio dos direitos de receber uma dívida, tributária ou não.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 459/17, do Senado, prevê que a operação de venda da dívida ao setor privado será considerada operação de venda definitiva de patrimônio público e não uma operação de crédito. Essa operação de crédito é proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00).
O relator do projeto em Plenário, deputado Alex Manente (Cidadania-SP), afirmou que a proposta dá a União, aos estados e aos municípios capacidade de investimento sem gerar ou aumentar imposto, além de fazer com que o poder público tenha capacidade de investimento com valores recebíveis que não foram pagos. “Entes e subentes têm algo em torno de R$ 5 trilhões a receber. Esse dinheiro é dificilmente recuperado pelo modelo que existe atualmente”, explicou.
O texto proíbe cada ente federado de “vender a dívida” na parcela que cabe a outro ente por força de regras constitucionais de repartição de tributos, como, por exemplo, o ICMS dos estados com os municípios de seu território e o Imposto de Renda e o IPI da União com estados e municípios.
Do total de recursos obtidos com a cessão dos direitos sobre os créditos da administração, 50% serão direcionados a despesas associadas a regime de previdência social e a outra metade a despesas com investimentos. Essa regra consta da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Sociedade
Uma das formas, a mais usual, de se realizar essa transação é a criação de uma sociedade de propósito específico (SPE) pelo ente federado que vai ceder os créditos. Essa cessão à SPE poderá ser feita com dispensa de licitação.
O próximo passo é a SPE emitir títulos que representam parcelas da dívida, geralmente misturando dívidas com mais potencial de pagamento com outras de menor potencial de quitação com o objetivo de equilibrar o risco para o investidor.
Conforme o devedor do débito for pagando o parcelamento, parte desse dinheiro fica com o investidor comprador do título representativo da dívida e outra parte vai para a administração (deságio).
Quanto maior for a antecipação da receita proposta pelo investidor à SPE, maior pode ser o deságio para cobrir o risco de não receber a dívida parcelada. Podem ser incluídas na transação de créditos as dívidas parceladas administrativamente, por parcelamento legal e judicial. De qualquer forma, podem ser objeto da securitização apenas os créditos já constituídos e reconhecidos pelo devedor ou contribuinte.
Outro formato possível é o pagamento de juros pelo dinheiro antecipado pelo comprador ao ente federado. Esses juros seriam pagos pela SPE conforme a realização dos pagamentos dos devedores ao longo do período do parcelamento, por exemplo.
Contudo, o questionamento jurídico desse formato tem mais força porque esse mecanismo é mais próximo da proibida operação de crédito.
Condições
O projeto estipula várias condições para ocorrer a cessão dos créditos ou securitização. Todos os critérios vinculados deverão permanecer os mesmos, como índices de atualização, de juros e multa, condições de pagamento e de vencimento e outros termos porventura convencionados entre a Fazenda Pública e o devedor.
O contrato de cessão de créditos deverá garantir à Fazenda ou a órgão da administração pública (Procuradoria Fazendária, por exemplo) a prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos que ampararam a emissão dos títulos vendidos pela SPE.
Após a concretização da operação, o cedente (Fazenda ou Procuradoria Fazendária) será isento de responsabilidade, compromisso ou dívida decorrente da obrigação de pagamento do contribuinte perante o cessionário (investidor que comprou os títulos representativos da dívida).
Dessa maneira, o risco de não pagamento pelo devedor é transferido ao investidor. Risco este amortizado pelo deságio (valor menor a repassar à administração) e minimizado pela mistura de créditos de mais risco com créditos de menor risco.
Entretanto, não há no projeto qualquer restrição à cessão apenas de créditos com grande potencial de serem honrados pelo devedor. Isso será definido por uma lei específica de cada ente federado.
Outra restrição imposta pelo projeto é que a securitização não poderá ser feita nos 90 dias anteriores ao fim do mandato do Poder Executivo, exceto se o pagamento integral vinculado aos títulos emitidos ocorra após essa data.
No caso de créditos originados de parcelamentos administrativos não inscritos em dívida ativa, a securitização poderá ocorrer somente sobre o estoque existente até a data de publicação da futura lei do ente federado que conceder autorização para isso.
Bancos estatais
Bancos estatais não poderão comprar os títulos representativos da dívida a receber pelo ente federado e tampouco adquirir ou negociá-los em mercado secundário ou realizar operação lastreada ou garantida por esses títulos.
O projeto reserva a esses bancos, entretanto, a possibilidade de participarem da estruturação financeira da operação, atuando como prestador de serviços.
Informações
Para facilitar o processo de montagem dos títulos representativos da dívida cedida, o projeto permite o uso de informações que melhor caracterizem o risco de cada devedor. Essas informações poderão ser requisitadas pela administração tributária, sejam de natureza cadastral ou patrimonial, perante órgãos e entidades públicos e privados, inclusive aqueles que têm obrigação legal de operar cadastros, registros e controlar operações de bens e direitos (cartórios, por exemplo).
O projeto determina que todos os órgãos e entidades da administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes deverão colaborar com a administração tributária nessa troca de informações.
Cessões anteriores
Securitizações feitas anteriormente à lei complementar, como as dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, permanecerão regidas pelas leis respectivas.
Debate em Plenário
Deputados do Novo e do Psol foram contrários à proposta. Para o deputado Gilson Marques (Novo-SC), o projeto tenta resolver um problema de agora comprometendo o futuro. “É óbvio que o governante de agora concorda com isso, porque ele pode utilizar esses recursos. Qual a responsabilidade desta geração com as gerações seguintes?”, questionou.
Para a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), a proposta estabelece uma lógica perversa para os recursos públicos, criando o mercado da dívida. “Aqui se cria um negócio onde os lucros são privados e sem transparência, com dinheiro público, comprometendo as futuras gerações e com muita dificuldade para os movimentos sociais possam denunciar.”
Já o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) afirmou que as procuradorias da União, dos estados e dos municípios não conseguem recuperar créditos em dívida ativa. “A PGFN, que se diz a procuradoria mais eficiente, só arrecada 1% do total da dívida ativa. Se for falar de estados e municípios, cai mais, 0,7% ou 0,8%. As procuradorias não recebem esse dinheiro”, alertou.
Mauro Benevides Filho disse que o “charme” do projeto é isentar o poder público de compromisso ou dívida, caso o credor não pague a quem adquiriu a dívida pública. “Não tem nada a ver de abrir mão de dinheiro, isso é tudo sem fundamentação”, declarou.
O deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ) afirmou que a ineficiência do Estado em cobrar a dívida não pode ser argumento para a proposta. “O que deveríamos aprimorar é a eficiência do Estado, e não dizer que o privado vai cobrar a dívida com mais eficiência”, disse.
Motta também criticou o discurso de parlamentares e de parte do governo sobre responsabilidade fiscal. “Na hora do investimento, a palavra é responsabilidade. Na hora da dívida, deixemos a dívida rolar solta porque ela traz benefícios para o mercado especulador de capitais. Este projeto só interessa a eles.”
Já o líder do PSB, deputado Gervásio Maia (PSB-PB), destacou que a pauta foi uma das solicitadas na Marcha dos Prefeitos deste ano. “Votar sim é facilitar e ampliar a capacidade de arrecadação de estados e municípios.”
Para o deputado Bibo Nunes (PL-RS), melhor é receber do que não ter nunca os recursos. “Tem alguém que lhe deve e que não vai pagar nunca. Você prefere receber, com liquidez inclusive? Vários governadores querem, e eu, como gaúcho, também quero liquidez”, afirmou.
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